O solo "Vozes do outono" foi aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura pelo Edital 265-10 de Pesquisa em Dança da Casa Hoffmann Centro de Estudo de Movimentos em 2011 pela Fundação Cultural de Curitiba. A estreia aconteceu no dia 27 de setembro de 2011 no evento DANCON Liga Cultural de Dança em Belo Horizonte.

sábado, 30 de julho de 2011

Processo 030: Consulta dramaturgica via skype

Hoje a Cintia Napoli postou um texto no meu blog e tivemos um diálogo via skype. Nada concreto, apenas conversas sobre possibilidade de entendiimento e abordagem do tema do meu solo.

Empédocles de Agrigento- a arkhé de todas as coisas

Durante meus estudos de Ontologia, relacionei este texto com sua pesquisa.

Empédocles de Agrigento (483-424 a.C.)propôs o fogo, a terra , a água e o ar como arkhé de todas as coisas. Tais elementos, tinham a característica de subsistir diante da geração, da alteração e da destruição. Para Empédocles, todas as coisas que existem, apresentam, em alguma proporção, os quetro elementos. A diversidade de coisas existentes decorre da diversidade de proporções de elementos, conforme uma mistura e troca. Empédocles defende que todas as coisas sujeitam-se ao devir, ao movimento. Neste contexto, inova ao destacar motores para o movimento. Um motor é denominado "Amor" e tem a função de unir as coisas; e o outro motor é denominado "Cólera" e tem a função de separar as coisas.
*arkhé- princípio constitutivo, primordial, fundamental, em função do qual as coisas dependem para existirem.
(LD Ontologia I,UNISUL,p.39,2011)
Cintia Napoli

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Processo 029

Ontem conversando com a Marina Scandolara, ela disse que a criação em dança possui fase que é saber desapegar. Muitas vezes o que fica na obra final pode ser uma parte pequena daquilo tudo que foi pesquisado. O comentário me fez entender melhor sobre o processo de criação do meu solo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Processo 028

Ontem, dia 26 de Julho, ensaiei no Vila Arte Espaço de dança com a presença da Cíntia Napoli das 19:30 às 21:30.

Conversei novamente do que se trata o solo com a Cintia: trazer sensações de vida e morte ao mesmo tempo para que as pessoas possam refletir que tudo se encontra aqui; o bem e o mau, o céu e o inferno, etc. Não busco ser didático, mas quero que as pessoas possam questionar o uso do tempo precioso, afinal um dia morreremos. Na conversa falei que nessa semana que passou imaginei sons do quotidiano: carros, sirene, folhas caindo, sino de casamento, gargalhada de crianças, tiros, etc. No outro encontro, comentei dos elementos da natureza que me interessavam: fogo, água, terra e vegetais. Naquele dia ela imaginou um som da gota d´água caindo, lembrei a ela que isso me interessou, pois gosto da idéia da marcação do tempo. Então, ontem trabalhamos com a imaginação por meio desse tempo. Ela pediu para fechar os olhos, marcou com a caneta batendo no caderno um som que lembrasse a gota caindo. Pediu para que eu narrasse as imagens que apareciam. Depois, ela pediu para que entrasse na sala e imaginar esse espaço novamente e começar a dançar e relacionar com o ambiente criado por mim. Eu gostei do laboratório, pois me levou num lugar onde me encontrava coberto de água, sentia o prazer do toque dela sobre a minha pele. Ela disse que foi muito lindo a imagens e as movimentações. Naturalmente veio alguns dos movimentos que tinha pesquisado até agora, porém dentro de outra sensação: a do prazer. Repetimos o exército e conversamos muito. Na verdade, antes de chegar no ensaio, imaginava trabalhar com os confetes e brincar com eles como se fossem água. Mas o laboratório sugerido pela Cintia me trouxe esse estado. Ela perguntou se imaginava a camisa e o confetes nesse lugar. Eu respondi que não, que já está tudo no corpo, inclusive me vejo sem camisa. Assim, veio uma dúvida sobre esses materiais cênicos, que inclusive já providenciei. Mas ao mesmo tempo sei que ontem foi somente um laboratório, onde os movimentos pesquisados e tudo que tenho coletado nesses três meses apareceram em cena naturalmente. A Cíntia comentou que muitas vezes eu planejo e foco demais e acaba não abrindo os olhos para as demais possibilidades. Sei, tenho essa característica. Mas ao mesmo tempo, se decidi mandar fazer o figurino e comprar o confete acho que foi depois de muita pesquisa de três meses e meio. Eliminando inclusive elementos que não me interessava mais como o vaso, pena e farinha. Também ainda não tenho trabalhado a questão do prazer da vida nos laboratórios, falta pesquisa a respeito disso também. A Cintia está mostrando outra forma de ver todo o material que tenho pesquisado. Vou me soltar e me entregar a esse movimento. Sem querer definir as coisas nesse momento. Quero visitar essa nova janela, depois vejo o que farei. Se no final de agosto decidi eliminar os confetes e o figurino, tudo bem. Será a mesma coisa do vaso de barro que não preciso mais, mas ficou a sensação dele no meu corpo que é importante para o meu solo.

P.S. No fim de semana que passou fui no Shopping Estação e no Passei Público fazer laboratório conforme sugerido pela Cintia no encontro da semana passada.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Processo 027: Cruz e círculo na disposição do espaço cênico

Talvez eu realça pela iluminação a simbologia da cruz simples e do círculo que ser fomam com a disposição da platéia. Preciso pensar e experimentar com calma isso.

Luz e plateia

 

CRUZ SIMPLES: De acordo com o estudioso Juan Eduardo Cirlot, ao situar-se no centro místico do cosmos, a cruz assume o papel de ponte através da qual a alma pode chegar a Deus. Dessa maneira, ela liga o mundo celestial ao terreno através da experiência da crucificação, onde as vivencias opostas encontram um ponto de intersecção e atingem a iluminação. 

Por Guss de LuccaFonte: "Dictionary of Symbols", J.E. Cirlot - Madrid - 1962

Atenção - Délia Steinberg Guzmán

“Atenção é uma forma de é uma forma de prolongar a vida. Quanto mais atenção, quanto maior a quantidade de ações válidas, mais a vida se prolonga dentro dos mesmos prazos de tempo, já que cada instante adquire uma dimensão especial”. Délia Steinberg Guzmán

O mais importante da foto…. Pierre Poulain

“… o mais importante da foto é o invisível: a emoção, o sentimento, a nostalgia, a harmonia”. Pierre Poulain

Milagre - Albert Einstein

"Há duas formas para viver sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre."
Albert Einstein (1879-1955)

Processo 026: Busca de alfaiate e compra de confetes

Curitiba, 25 de Julho de 2011.

Hoje saí 9:00 e voltei 13:30 em casa, fui procurar um alfaiate para o meu figurino e comprar os confetes de festas do cenário do meu solo.

Imaginei que seria melhor um alfaiate do que costureira para fazer uma camisa social de manga longuíssima. Chegando num alfaiate, na Pça Ozório, descobri que existem pessoas especializadas para fazer camisas sociais. Encontrei por indicação o Sr. Wanir A. Vieira que possui uma loja na Rua Saldanha Marinho, nº487. Fechei o negócio com ele, pegarei o figurino no dia 05 de Agosto. No final da postagem deixarei os contatos dos camiseiros e do alfaiate que gostei nessa caminhada pelo centro.

Para o confetes de festas de papel, fui em algumas lojas de festas no centro de Curitiba. No fim, resolvi visitar o Mister Festas que tinha pesquisado na internet e que fica no Bairro Santa Quitéria. Lá eu comprei um fardo de 16 kg de confetes e trouxe para casa.  Amanhã marquei um ensaio no Vila Arte Espaço de Dança com a Cintia Napoli a noite às 19:30. Já poderei ensaiar com os confetes espalhados sobre o chão ; )

CONTATOS:

Alfaiate:

  • Dallabrida: Rua Cândidoa Lopes, nº 325, Sala 23, Centro, Curitiba, Paraná, tel 41 – 3233-8500

Camiseiro:

  • Donizette: Av. Luiz Xavieraa, nº68, 8º Andar, Sala 811, Centro, Curitiba, Paraná, tel 41 – 3224-4769
  • Viera Lima Camisas Sociais (Wanir A. Vieira): Rua Saldanha Marinho, nº487, Centro, tel 41-4101-2628, cel 41-9612-3458, www.vieiralima.com.brvieiralima@vieiralima.com.br

Confete:

domingo, 24 de julho de 2011

Processo 025: Compra do tecido do figurino

Sábado, dia 23 de Junho, saí de casa às 8:30 e voltei 12:30.

Ontem fui no bairro Boqueirão em Curitiba, numa rua onde se vendem tecidos. Tenho a teoria de que não preciso saber de tudo, mas preciso saber para quem perguntar. Então, eu já tinha a lista das lojas que queria visitar por indicação. Deixo anotado no final da postagem, pois é abuso ficar perguntando muitas vezes a mesma coisa para um amigo, se precisar da próxima vez eu já sei onde procurar os dados.

  • FIGURINO: camisa social branca com manga super comprida que chegue próximo do chão.
  • CONCEITO: oferece metáforas para asas, loucuras, pureza e tradição.
  • TECIDO: caimento bonito, não pode amarrotar e precisa ter movimento.
  • COMPRIMENTO a comprar:
    1. Tecido de 1,5m de largura: Precisaria em torno de 2 metros.
    2. Tecido de 0,9m de largura: Precisaria em torno de 4 metros.
  • DICA DE TESTE DO TECIDO:
    1. Tecido que tem muita elasticidade foi descartado, pois se eu repuxar o figurino dançando posso romper a costura;
    2. Colocar a mão sobre o tecido e ver o caimento;
    3. Sentir o peso;
    4. Chacoalhar o tecido para ver o movimento dinâmico, existem tecido que não chicoteia, nem forma um “S” bonito no ar;
    5. Amassar na mão o tecido comprimindo muito ele. Depois verificar se o tecido amarrota demais.
  • TECIDO ESCOLHIDO: Microfibra Oxiford branco com sutis texturas verticais por meio trama diferenciadas.
    1. Microfibra não amarrota;
    2. Não possui tanta elasticidade;
    3. As linhas verticais sutis são elegantes e lembram mais uma camisa social.
    4. O tecido tem um pouco de peso e chicoteia no espaço quando agitado.
    5. Foi comprado do Imperial Tecidos (1,5 x 2,3 metros).
  • LOJAS INDICADAS (perto do Terminal Boqueirão):
    1. IMPERIAL TECIDOS: Rua Bley Zornig, 1430 - Boqueirão -  Curitiba – PR / tel 41-3287-0199
    2. D´JON MALHAS: fica em frente do Imperial Tecidos
    3. FREMETEX: Rua Bley Zornig, 1430 - Boqueirão -  Curitiba – PR
    4. FAME Tecidos profissionais: Rua Carlos Essenfelder, 3778  - Boqueirão -  Curitiba – PR / tel 3286-5699
    5. HERBES: Rua Carlos Essenfelder, 3868  - Boqueirão -  Curitiba – PR
    6. KOLIMALHAS: Rua Carlos Essenfelder, 3885  - Boqueirão -  Curitiba – PR

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Processo 024

A semana que passou também marquei uma orientação na quarta-feira, dia 20 de julho, depois da oficina do Ailton Galvão. A orientação foi por meio de um bate papo informal no almoço no Restaurante Mafalda.

  • O Ailton comentou que achou cedo colocar numa seqüencia definida as imagens internas da morte para ensaio: entendi a orientação dele, mas eu precisava fazer isso somente para limpar os qualidades de movimentos que cada imagem interna evocava. Acho que consegui fazer isso na semana passada, tanto é que apresentei movimentos mais limpos e pesquisados para a Cintia Napoli na quinta-feira a noite.
  • Ele comentou a respeito da agitação que possuo, tanto na apresentação que fiz do meu solo quanto no workshop que ele ministrou. Pontuou que tenho movimento natural leve e ágil,  que se torna bonito em cena, no entanto acredita que há outros universos com qualidades de movimentos distintos que eu poderia explorar melhor.
  • No mais, conversamos sobre o workshop do dia, como foi interessante e ao mesmo tempo difícil revisitar o passado e trazer imagens dele para o processo criativo. Conversamos e concordamos que a arte não é terapia, no entanto eu comentei que indiretamente ela vai resolvendo muitas coisas em nós.
  • Também relatei o meu aprendizado de que a arte é mais do que um sistema de ensino. Por isso, preciso tomar cuidado para que o trabalho não fique didático demais. Percebo isso em algum espetáculo de teatro que parece querer ensinar o público. Eu acredito que a arte pode ser usado a favor do ensino, mas ela não pode limitar-se dentro dessa função.

sábado, 23 de julho de 2011

Processo 023

Apresentei a minha pesquisa para Cintia Napoli no Vila Artes Espaço de Dança no dia 21 de Julho, quinta-feira, das 19:30 às 21:30.

Mostrei a mesma seqüência de imagens internas dançadas por mim na 1ª Mostra, porém mais trabalhada e com movimentos mais limpos.

Feedbacks dela:

  1. Em vários momentos estou com olhar dissociado do corpo, isso fez com que perdesse a atenção dela em alguns momentos: recebi a observação dos orientadores da Casa Hoffmann que o meu olhar era interno demais na primeira mostra. Trabalhei isso, mas ainda existe um olhar que parece acompanhar o voar de um mosquito agitado, é um vício meu quando perco a integração da mente e do corpo.
  2. Tinha um movimento da cabeça mole o tempo inteiro, no início ela achou que era proposital, mas quando percebeu que em todas as movimentações ele permanecia, ela suspeitou que fosse algo sem tanta consciência: realmente foi sem consciência, na próxima vez darei mais atenção a isso.
  3. Assim como os orientadores da Casa Hoffmann, sentiu falta de silêncio e do respiro. Comentou que eu engato a primeira marcha e vou acelerando, acelerando, acelerando…
  4. Viu que tenho muito material corporal e vislumbrou um solo interessante.

Sugestão dela:

  1. Ela notou várias qualidades de movimentos, porém todos na mesma intensidade de energia. Por isso, assim como o Ailton Galvão, ela sugeriu não seguir a seqüência das imagens internas que tenho no momento.
  2. Orientou eu andar em lugares inusitados e sentir a vida, dançar em lugares diferentes da Casa Hoffmann ou Vila Arte Espaço de dança:
    • Ir no parque, sentar da grama.
    • Ir da rodo ferroviária e pisar sobre os pedregulhos.
    • Ir no shopping e observar as pessoas.

Algumas observações nesse processo:

  • Sentir como o ambiente interage, acrescenta e modifica o meu estado e a minha dança.
  • Às vezes é legal ficar somente parado e observar o ambiente sem dançar.
  • Outras vezes seria interessante dançar algumas das minhas imagens internas do solo e ver como ela desdobra no espaço.

Conclusões:

  1. Depois da 1ª Mostra e me ver dançando no vídeo, consegui distinguir melhor a qualidade de movimento de acordo com as imagens internas, o trabalho apresentado à Cintia estava mais elaborado;
  2. Ainda é um vômito de “inventários” (partituras), não é uma obra de arte, pois não possui uma dramaturgia definida, figurino, cenário, trilha sonora, etc.;
  3. Sinto que tenho inventário da temática morte o suficiente, agora preciso trazer no corpo a alegria da vida, o prazer, a paz de espírito, o suspiro, o silêncio, etc. Por isso, achei genial a sugestão da Cintia de visitar a VIDA pelo mundo a fora do estúdio da Casa Hoffmann.

Processo 022: Oficina do Ailton Galvão

20, 21 e 23 de julho de 2011 das 9h às 12h na Casa Hoffmann

Foi muito boa a oficina, ele trabalhou as imagens internas pessoais da vida desde a infância transformando-as em materiais cênicos. Acredito que toda obra, de certa maneira, é uma biografia do artista, então a oficina seria interessante para todos os bolsistas da Casa Hoffmann independente da natureza da sua pesquisa.

PRIMEIRO DIA:

  1. Ele fez seqüencia de atividades corporais e vocais para preparar cada participante na busca das imagens internas desde a sua infância.
  2. Depois anotamos no papel varias palavras que traduzem essas imagens.
  3. No fim utilizamos essas palavras para a criação de uma cena.

SEGUNDO DIA:

  1. Fez a mesma seqüência do dia anterior de atividade corporais e vocais, mas não precisamos revisitar as imagens internas.
  2. Logo em seguida fizemos um jogo em dupla:
    • Um perguntava “quem é você?”;
    • O companheiro respondia “algo”;
    • O que perguntou precisaria dançar esse “algo”;
    • O dançarino voltaria a perguntar “quem é você?”;
    • recomeça a brincadeira (um somente responde e o outro sempre “pergunta e dança”)

      Observação: depois de um tempo troca de papel.
  3. Foi distribuído papel e canetinhas coloridas onde cada um precisava responder em desenho a pergunta “quem é você?”
  4. Encontrar uma dupla e trocar os desenhos. Agora precisaria criar uma partitura de dança (inventário) a partir do desenho biográfico do companheiro.
  5. Apresentação cênica da dupla seguindo uma ordem:
    • Começa costas com costas e desenvolve a partituras individualmente;
    • Depois de um tempo um influência o movimento do outro;
    • Em algum momento ocorre um encontro e começa uma improvisação com contato;
    • Finalização.

TERCEIRO DIA:

  1. Bate papo da experiência dos dois dias anteriores,
  2. Massagem em dupla, um faz e outro recebe. Depois troca de papel.
  3. Exercício do olhar em dupla. Um conduz pelas costas o companheiro que está de olhos fechado por meio de toque de dedo com sinais codificados (frente, direita, esquerda, elevar nivel, baixar nivel). Quando o condutor retirar o dedo das costas do conduzido, este abre os olhos.  Depois reconduz para outro lugar para mostrar outra paisagem. Após apresentar varias imagens, o conduzido de olhos abertos precisaria dançar as lembranças e as sensações que ficaram dessas paisagens, o condutor dançará em frente em espelho olhando sempre nos olhos do companheiro.   
  4. Bate papo sobre a experiência do exercício do olhar.
  5. Assistimos o vídeo gravado no primeiro e o segundo dia.

CONCLUSÕES:

  1. Achei proveitosa a oficina, pois ela se relaciona com o processo criativo que estou vivendo na pesquisa do meu solo. Precisei juntar várias imagens internas de morte e transformar elas em partituras (inventários).
  2. O trabalho do segundo dia é muito intenso, pois ele por si cria uma dramaturgia que se transforma em um esquete cênico.
  3. O exercício do terceiro dia foi interessante:
    • O conduzido foca a atenção nas costas, pois é nela que fica os toques com os códigos de condução, no entanto, quando esse toque na costas é retirado e chega o momento de abrir os olhos, é como se toda a energia voltasse para a frente para receber a paisagem sem pretensão e preconceito. As cores e as formas possuem outra vida, foi uma sensação muito diferente.
    • Também descobri que dançar lembranças de imagens com uma pessoa fitando no meu olhar é difícil, pois o olhar penetrante de uma pessoa tira o nosso olhar da imagem interna, então precisei abstrair sensações dos quadros de imagens internas como calor, duro, cheiro, etc. para poder dançar com uma pessoa que olha nos meus olhos.
  4. Toda oficina clareou melhor o meu aprendizado em relação da minha dança, imagem externa, imagem interna, processo de criação e o estudo do olhar.
  5. Acho que a oficina complementou na prática o artigo teórico que li na semana passada chamado O Encontro da Heloisa Neves.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Processo 021

Essa semana consegui ir uma vez, no dia 19 de julho, no laboratório corporal na Casa Hoffmann, (afinal teve a Oficina do Ailton Galvão também).

OBJETIVO DO LABORATÓRIO: Começar a limpar os movimentos oriundo das imagens internas que apresentei em seqüência na 1ª Mostra da Casa Hoffmann na semana passada. Procurar para cada imagem interna uma qualidade de movimento diferente.

  1. Depois de aquecido e alongado, trabalhei algumas imagens internas isoladamente:
    • A carne apodrece, deformação: na mostra foi muito literal, deformando o rosto e o corpo, foi ingênuo demais. Por isso agora explorei alguns pontos do corpo derretendo e eu tentando salvar esse corpo que sempre derrete em algum lugar. Gostei do resultado.
    • Insatisfação, autoflagelo, movimentos socados: trabalhei com vários vetores do corpos expandindo e explodindo no espaço.
    • Ritual: não mudei muito, mas não estou satisfeito com ele, preciso entender melhor esse lugar.
    • Movimento do bicho: não mudei muito, pois esse é uma movimentação mais madura.
    • Dificuldade de desapego, movimentos das mãos presas:  eu vi no vídeo a movimentação e percebi que os meus pés poderiam deslocar no final do movimento socado mudando de vetores e direção, explorei um pouco isso.
  2. Fiz uma passagem geral seguindo a mesma ordem das imagens internas que eu apresentei na 1 ª Mostra.

CONCLUSÕES:

  1. Consegui limpar um pouco os movimentos.
  2. Pela primeira vez senti necessidade de um som, teve uma hora que queria ouvir barulho de chuva.
  3. Reparei que já trabalho com três elementos da natureza:
    • Fogo: Consciência humana
    • Terra: O Ritual evoca a energia telúrica, o próprio movimento do bicho trabalha com esse elemento.
    • Água: lavagem, purificação…. e a vontade de ouvir som d´água. Inclusive a trilha que usei na banca da Casa Hoffmann era baseada em águas e sinos tibetanos.

Notei que poderia ter um outro elemento da natureza: madeira/vegetais. Talvez possa aliar a qualidade de vegetais no movimento do Ritual. Não sei, preciso pensar e experimentar, pois pode ficar óbvio demais.

OBSERVAÇÃO: Não imagino fechar nada, nem a seqüencia das imagens internas. Somente quero possuir alguns inventários. Ainda estou juntando matérias primas.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Salvar uma alma

Dançar não é a pior forma de salvar uma alma. Yiuki Doi

P.S. Em homenagem ao trecho do Filme "Em Paris" (Dans Paris. França/Portugal, 2006)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Processo 020

O meu projeto inclui orçamento para consulta teórica de dramatúrgia, trilha sonora e iluminação cênica, tudo com preço simbólico. Essa semana marquei encontro com a Cíntia Napoli, diretora artística da desCompanhia de dança, pois ela será a consultora teórica de dramaturgia. Combinamos o encontro no Vila Arte Espaço de dança na quinta-feira a noite (21 de Julho de 2011). Não marcamos na Casa Hoffmann, pois a instituição não possui disponibilidade de ensaio no horário noturno, infelizmente a nossa agenda em comum da semana era a noite. Alguns dos meus ensaios daqui em diante poderão acontecer no Vila Arte Espaço de dança, pois é a sede da desCompanhia que eu faço parte. Isso acontecerá quando não houver disponibilidade de horário de ensaio na Casa Hoffmann (seja por necessitar de ensaio noturno ou pelo fato da tabela de agendamento da casa estiver lotada, afinal temos muitos bolsistas no edital esse ano e muita vezes não encontro horário disponível). A consultoria de iluminação cênica e de trilha sonora será no mês que vem, ainda não é o momento para isso.

domingo, 17 de julho de 2011

1ª Mostra de pesquisa da Casa Hoffmann: 15 de Julho de 2011

Gravação: Fernando Dourado (retirei os videos abaixo, pois será postado o video final)

Estou muito acerelado, as minhas imagens internas não expandem para fora do meu corpo, necessito de mais tranqüilidade e percepção. Preciso acrescentar o vazio, o silêncio, texturas e nuanças. 

Creio que posso investir no roteiro imagetico interno que possuo no momento, mas expadindo as imagens internas para o ambiente e o público. Não tenho interesse de fixar no roteiro imagético atual, mas preciso desevolver ele para ver se faz sentido, pois na mostra da Casa Hoffmann não atingi as imagens externas corporais que buscava alcançar por meio dele.

Mas ao mesmo tempo, vejo alguns instantes com qualidade de movimentos que me interessa. Outros ainda preciso investir mais em laboratórios corporais.

Yiuki Doi

 

Fotografias: Adriana Oliveira e Simonte Tristão


(http://fotodanca2.blogspot.com/2011/07/vozes-do-outono-yuki-doi.html)

mais fotos:

http://www.flickr.com/photos/simonetristao/sets/72157627127980327/show/

Agradecimentos:

Ao Fernando que gravou video e as fotografas Adriana Oliveira e Simonte Tristão que cederam as imagens para registro da mostra.

sábado, 16 de julho de 2011

Processo 019

1ª MOSTRA DA CASA HOFFMANN: 15 de Julho de 2011

Apresentei a minha pesquisa por meio de uma seqüência de estado corporal improvisada. Todo material ainda é cru e preciso me aprofundar nela. Eu optei em colocar as cadeiras da platéia bem próximo para dialogar melhor com ela, no entanto, quando o trabalho ainda não está claro se torna difícil dialogar com o espectador. Além do mais, eram muitas imagens borbulhando dentro de mim, dar conta delas já foi complicado e exaustivo. Por meio dessas imagens fui transitando entre estados corporais. O fato é que vomitei os movimentos do laboratório corporal numa seqüência que fizesse um pouco de sentido. Ainda não é a dramaturgia final da obra, foi um momento de mostrar o quanto de impulso interno existe e reverbera no meu corpo. Não consegui trocar energias o quanto gostaria com o público, mas creio que tenho material corporal a serem organizado e trabalhado. Vou pegar o vídeo que o Fernando Dourado, iluminador, gravou da mostra. Quero me ver, entender melhor o que houve ontem. Depois comprar os confetes do cenário e providenciar o figurino. Agora é o momento de alinhavar os materiais pesquisados que tenho. 

Feedbacks dos orientadores:

  1. Olga Nenevê:
    • Perguntou se a separação em duas fases a apresentação era proposital: Respondi que tenho característica de criar intervalos brancos nas transições dos movimentos. Isso possui relação com a minha organização mental que busca inicio, meio e fim em tudo (o fim costuma aparecer como pausa e/ou silêncio). É algo que tenho trabalhado para que essa característica seja uma opção minha - não uma falta de opção. No fim, eu respondi que não tive objetivo em dividir em 2 fases, mas que eu tinha vários estados corporais que precisava passar.
    • Comentou que sentiu meu olhar ilhado: respondi que não dei conta do recado e que o objetivo não era isso.
    • Sentiu falta de expansão de energia no espaço: também disse que não dei conta do recado, não consegui dançar com o público muito próximo ao meu redor. Este será o meu desafio do solo, pois me interessa ter a platéia ao redor e próximo de mim. Vou insistir em trabalhar com isso, mas o tempo e a pesquisa mostrará a melhor disposição da platéia.
  2. Ailton Galvão:
    • Sentiu falta do ritual que tinha comentado na orientação: na verdade eu tinha colocado um momento de ritual na apresentação, mas foi energético demais. Acredito que preciso ter mais serenidade nesse momento (fui ansioso o tempo inteiro da apresentação).
    • Ele achou os movimentos emendado demais, sem respiros: devo concordar, estava ansioso e vomitei os movimentos pesquisados. Agora preciso trabalhar mais o silêncio, serenidade e a leveza.
    • Assim como a Olga ele achou o meu olhar ilhado.

Segue abaixo o roteiro pessoal da apresentação (eu não tenho intenção que as pessoas entendam literalmente as minhas imagens internas, mas necessito delas para eu poder dançar e externizar em imagem externas):

    1. A carne apodrece, deformação, desapego pela visão, ouvido e boca. Começo com as mãos no peito;
    2. Lavar o corpo, limpeza e purificação;
    3. Dificuldade de desapego: movimentos da mãos presas, luta, desapego, devaneio, desequilíbrio, vagar e procurar.
    4. Insatisfação, autoflagelo, movimentos socados. Termina quando consigo soltar as mãos do item 3 no centro da sala;
    5. Ritual no centro da sala (tudo na vida possui um ritual de passagem): trabalhar com cerimônia, o ritual evocará a energia telúrica.
    6. Movimento do bicho: movimento no chão no centro da sala com duas palmas no chão. Usar muito a coluna e sentir os apoios da terra nas mãos, muita suspensão. Trazer movimento lascivo e mundano também. Aceitar o profano junto ao sagrado.
    7. Depois de acumulado a energia trasbordo ela para o espaço. Muito apoio da terra e deslocamento. Firmeza nos passos que me elevam aos saltos, pois é assim que o homem voa na terra, aceitando a gravidade sobre a carne, sem asas, penas e auréola.
    8. Começo a dialogar como o céu, olhar para ele, mostrar que fico na terra e dançarei aqui.
    9. Dançar com prazer a vida, pois para mim o inferno, céu e a terra se encontram aqui. Tudo está harmônico.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Relatório Junho de 2011

  1. CARGA HORÁRIA DE PESQUISA:
    24/h mês de pesquisa: cumprida
  2. O CRONOGRAMA PREVISTO NO PROJETO PARA O MÊS DE JUNHO:
    Laboratório corporal e cênico no estúdio da Casa Hoffmann e orientação.
  3. O QUE FOI REALIZADO:
  • Laboratório corporal pensando em pó, leveza, instinto animal, ciclo, gestação, renascimento, pena, insatisfação, desequilíbrio, velhice, profano, sagrado, terra, latência, bicho, céu, asas, escolhas e dor. Quero tocar no assunto da alegria de viver compreendendo que tudo faz parte de Deus. Eu acredito que a paz de espírito existe entre o sagrado e o profano. Na minha percepção, o céu e o inferno se encontram aqui. Então, acredito que a beleza do mundo está no olhar de cada pessoa – na escolha pessoal individual a cada instante no presente vivo. Busco nos laboratórios corporais movimentos que possam trazer essas imagens e sensações para o espectador.
  • O laboratório corporal é árduo, criar uma linguagem cênica que trata desse assunto da morte e vida é difícil. Às vezes parece que estou no fundo de um poço sem nenhuma saída, no meio do lodo. Tenho vários estados corporais que ando pesquisado. Nada claro concreto e definitivo para o meu solo ainda.
  • Creio que processo criativo é individual onde não existe metodologia clara e definitiva. Entendo que cada obra possui sua peculiaridade, uma forma de conceber, entender, se dispor ao sacro-ofício de evocar algo sagrado. Existe um momento de limbo para isso. Um tempo em que o artista deve seguir adiante num caminho inseguro. Ainda estou nesse momento.
  • Minha metacoginição concatena assuntos mais variados: musica, física, natureza, dança, signos, figurino, iluminação, etc. Tudo caminha concomitantemente. O fato é que amplio a minha pesquisa além da Casa Hoffmann, assim coleciono vídeos, músicas, imagens, faço aula de dança pensando no solo, assisto espetáculos, leio artigos, junto aforismos, escrevo notas etc.
  • Registrar o processo criativo é uma necessidade que possuo, pois isso permite eu revisitar, lembrar, analisar e acima de tudo não esquecer. O blog do processo criativo “vozesdooutono.blogspot.com” possui essa função e tenho atualizado constantemente inserindo impressões, pesquisa simbólicas, músicas, figurino, grafismo, vídeosa, processo criativo, artigos, notas pessoais, orientações e laboratório corporal.
  • Apesar de pesquisar sobre vários assuntos de categorias de artes distintas, tenho clareza que sou bailarino e que a minha arte baseia-se mais no corpo em movimento. Por isso tenho evitado colocar muitos objetos e elementos cênico, pois quero que o corpo em si possa traduzir as sensações e imagens que busco evocar em cena.
  • Ainda não tenho definido a luz, música, figurino, etc. – tenho algumas idéias pesquisadas. No momento, único elemento que sinto uma necessidade mais forte de interação física são os confetes de papeis espalhados no chão. Como falo da morte quero metáfora com nuvens, pó, fugacidade, festas, alegria, profano, sagrado etc. Depois de ter aprofundado a pesquisa corporal acrescentarei os demais elementos cênicos como luz, figurino, trilha etc.
  • As orientações com a Olga Nenevê e Ailton Galvão ajudam-me no processo criativo. Percebo que existem peculiaridades e experiências diferentes, mas têm sido ótimos os encontros com os ambos. Tem aberto novos horizontes e está sendo ótimo.
  • A oficina da Olga Nenevê “A vibração das camadas de presença do interprete criador” ofertada em maio está sendo ótimo para o meu trabalho. Também achei complementar a oficina da Mariana Gomes com a da Olga. As duas oficinas trabalham com a presença cênica por meio de troca de energia entre o interprete, ambiente e o público. Foram sensacionais e complementou a pesquisa do estudo do olhar e da fenomenologia que venho realizando junto à desCompanhia de dança.
  • A oficina do Ailton Galvão “Dança Fundamental – Dança contemporânea, consciência corporal, jogos coreográficos” foi muito proveitosa para mim. Adorei a aula de contemporâneo dele, mas senti que ofertar uma aula avançada de contemporâneo naquele contexto onde existiam bolsistas residentes de nível variados não foi a melhor opção. Também achei longo o tempo da aula de contemporâneo, para mim teria sido melhor se o tempo da oficina dos jogos coreográficos fosse maior, pois isto me interessa mais nesse momento de pesquisa de criação.
  • Deixarei anexada logo abaixo a carga horária resumida do mês passado. Deixo inseridas atividades extras Casa Hoffmann também. Afinal, já que é um relatório, percebo que é uma forma de aproximar as pessoas ao universo do artista criador que dedica o tempo integral na sua obra: 24 horas, 7 dias da semana, 30 dias por mês. Por mais que eu marque 34,2 horas mensais em junho, a verdade é que artista às vezes dedica muito mais tempo do que muitas das pessoas imaginam.

tabela Junho

  1. PREVISÃO PARA O MÊS DE JULHO:
    27h/mês de atividade interna e externa à Casa Hoffmann: Laboratório corporal e cênico no estúdio da Casa Hoffmann, gravação de vídeo do laboratório, análise do vídeo gravado, orientação, consultas e pesquisa de trilha sonora, dramaturgia, figurino e cenário.

O mapa [ou] um estudo sobre representações complexas

Autora: Heloisa Neves

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Mapa! Uma palavra tão recorrente em cartografia e arquitetura poderia ter algum tipo de relação com projeto, acontecimento, performance, corpo? Hoje em dia existe uma vasta bibliografia, em diferentes áreas, interessada no estudo dos mapas. Essas pesquisas vêm da geografia, da física, da matemática, da biologia, da química, da filosofia, das artes, da arquitetura e das ciências cognitivas. Apesar da definição de mapa variar muito em cada área, há algo em comum em todas elas: mapear é representar alguma coisa, seja um espaço, um fenômeno ou uma organização corporal. O mundo da representação é extremamente amplo, já que representar envolve criação; o que por sua vez está presente em toda e qualquer ação cognitiva. Um mapa de uma cidade, de um mundo, da população desse mundo, o desenho técnico de uma construção, uma foto, uma pintura, uma instalação, uma performance, uma peça de teatro ou a maneira como o corpo se organiza para perceber o mundo são exemplos de mapas.

Essa diversificação de significados para uma mesma palavra teve seu auge no momento em que o mundo trouxe à cena o conceito de rede. Esse conceito impôs uma rediscussão do espaço e das relações existentes, tornando-se extremamente relevante discutir também como as pessoas estão tecendo novas formas de mapear o mundo que habitam. No entanto, todas essas maneiras de se entender mapas dinâmicos, plásticos e interativos sempre existiram. Os corpos sempre criaram redes internas, representando-as de alguma forma. No entanto, foi a partir do momento em que os modelos ditos contemporâneos(2) começaram a surgir, que o conceito de mapa tomou maiores proporções. A partir desse momento, muitos autores passaram a estudar o tema, fazendo com que a palavra ‘mapa’ pudesse também metaforizar alguns tipos de organizações complexas emergentes.
Dentre todas essas possibilidades, busquei estudá-lo seguindo os conceitos e as formas de organização do mapa através da visão de três autores: o filósofo Gilles Deleuze(3) e os neurocientistas António Damásio(4) e Francisco Varela(5).
Resumidamente, poderia dizer que para António Damásio, a palavra mapa é inevitável e irresistível nas discussões da neurologia. Segundo o cientista, mapa pode ser definido enquanto um padrão neural ou uma representação da forma como o corpo se organiza para perceber um objeto externo ou interno(6).
Já para Gilles Deleuze, o mapa seria uma representação “inteiramente voltada para uma experimentação ancorada no real, na ação. O mapa não reproduz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói.” (DELEUZE, GUATTARI, 2002, p.22).
E Francisco Varela completa a discussão apoiando a representação enquanto uma ação co-determinante entre os seres vivos e seu ambiente. Para esse fenômeno, propôs o termo enação em substituição à palavra representação.

Apêndice [ou] o mapa do mapa
Olhando para a cidade, filmes, músicas e tantas outras coisas, desde o início desse estudo, busquei garimpar mapas do encontro já realizados e espalhados por esses lugares. Venho tentando reconhecê-los na tentativa de também aprender com eles.

O mapa das Pedras
No filme “O Fabuloso Destino de Amélie Pollan” (JEUNET, 2001), a personagem Amélie, cria para si uma vida de contos de fada, acredita nela e a partir disso transforma seu mundo. Como uma rota, restam as pedras que vai recolhendo pelos lugares que passa e que se tornam seu próprio ‘mapa de vida’. Pelas pedras, que compõem seu mapa, Amélie sabe por onde passou e o que sentiu ao estar em cada lugar. As pedras se tornam assim, um mapeamento de sua mente e do movimento de seu corpo, assumindo a forma de seu mapa. Além disso, são um meio de transporte entre os dois mundos que se mesclam em sua vida: o externo e o interno. As pedras de Amélie são seu mapa. Existe um momento em que ela joga fora as pedras que possui, mostrando que sua escolha foi feita, um mapa possível foi apagado, e ela não quer mais viver no mundo “verde e vermelho”, apesar de nem assim conseguir essa proeza (7). Para Amélie, assim como para qualquer ser humano, desistir do mundo imaginário é tarefa impossível.

O mapa da Pantera Cor de Rosa
O exemplo de Amélie pode ser alargado quando colocamos lado a lado com o personagem de desenho animado, a Pantera Cor-de-Rosa. Ela possui também um mundo muito particular, enxergando tudo que está à sua volta em cor-de-rosa. Ela não reproduz um mundo, mas pinta o mundo com sua cor, rosa sobre rosa, “é seu devir-mundo” (DELEUZE e GUATTARI, 2002, p.25), fazendo com que um desejo que se encontra constantemente dentro dela, exploda a barreira, e se torne atual. Para a Pantera, a forma do mapa é a própria cor com a qual ela constantemente colore o mundo.

O mapa da Carne
No filme “Amnésia” (NOLAN, 2002), tem-se um mapa em forma de desenho tatuado sobre a pele, é o ‘mapa da carne’. Nele vemos um mapa feito no próprio corpo, mapa interativo e mutante, que tem a função de fazer lembrar ao homem desmemoriado as instruções a serem seguidas em cada dia de sua vida. E como muitas das informações desse homem ficam esquecidas como rastros perdidos, nota-se que ele brinca de possibilidades de vida, brinca de a cada dia escolher uma entrada diferente. Constata-se aqui um mapa que se atualiza diariamente através das tatuagens, decalques de uma representação imagética. Um mapa que não deixa rastro. Uma clara relação de tempos é exposta já que o homem não tem uma seqüência linear de sua história, vive do descontínuo, vive em diversos tempos, se conectando por qualquer um deles. Não há reversibilidade, há uma busca de referências do passado, que já se encontram borradas com o presente e, a partir delas, uma continuação.

O mapa Virtual
Se partirmos para ambientes virtuais, descobriremos uma infinidade de mapas: desde rotas de operações piratas até mapas cuja forma vai ao encontro de fractais. No livro TAZ (BEY, 2005, p.11), Hakim Bey descreve um ‘mapa de operação pirata’. No século XVIII, os piratas e corsários montaram uma rede de informações sobre o globo que funcionava de forma admirável. Essa rede se formava por ilhas, esconderijos secretos onde os navios piratas podiam se abastecer com água e alimento, e assim continuar vivendo por entre as brechas do mundo. Os assassins (seita muçulmana que no século XI assassinava líderes cristãos), também descrito por Bey, criaram um ‘mapa do mundo paralelo’. Esse mapa consistia em uma rede de remotos castelos em vales montanhosos, distantes e invulneráveis a invasões. Tais castelos eram conectados por um fluxo de informações conduzidas por agentes secretos, os quais estavam em guerra com todos os governos. Eis aqui dois mapas bastante contemporâneos por existirem graças às brechas do sistema, assim como fazem hoje o hackers na internet. Este mapa pode também ser chamado máquina de guerra(8), a qual conquista sem ser notada e se move antes de ser cristalizada. Um outro mapa, ainda proposto por Hakim Bey seria o ‘mapa da informação’, a projeção cartográfica da net como um todo. Nesse mapa “teríamos que incluir os elementos do caos que já começaram a aparecer, por exemplo, nas operações de processos paralelos complexos, nas telecomunicações, na transferência de ‘dinheiro’ eletrônico, nos vírus, na guerrilha dos hackers etc.” (BEY, 2004, p.36). O mundo em fractais é desconstruído, dobrado e redobrado a cada segundo. Bey completa dizendo que o mapa estudado pela cartografia nada tem em comum com o estudado por ele. Por ser mais abstrato não cobre a terra com a precisão de 1:1(9).

O mapa das Plantas
Encontrei certa vez, em um livro de Paola Berestein, o trabalho do paisagista Gilles Clément. Ele propõe a criação de uma forma muito interessante de mapa, os ‘jardins em movimento’. Seu projeto utilizava a característica móvel e desterritorializante de algumas plantas escolhidas por ele, no caso o ‘mato’ e uma planta denominada ‘vagabunda’. Para ele, os jardins tradicionais e, mais especificamente os jardins à francesa, estão fortemente ligados à noção de ordem estática, o que nos remete fortemente ao decalque(10). Ele acredita que a própria idéia de ‘jardim’ impõe uma luta perpétua contra o movimento natural das plantas. O papel do jardineiro é cortar tudo que no jardim transborda ao projeto original ou que é espontâneo, contendo o fluxo natural. O paisagista propôs então uma concepção de jardim baseada no movimento, transformando terrenos baldios ou abandonados. Com isso, ele propõe inverter um conceito: ao invés do planejado e imóvel, um jardim que possua características de terreno abandonado ou baldio, ou seja, natural, móvel e dinâmico. Fazendo então essa inversão do termo e tornando o jardim um local de movimento natural, ele explica:

“oportunidade: o terreno vazio já existe. Intenção: seguir o fluxo dos vegetais, se inscrever na corrente biológica que anima o lugar e orientá-la. Não considerar a planta como objeto acabado. Não a isolar do contexto que a faz existir. Resultado: o jogo de transformações desordena constantemente o desenho do jardim. O movimento é sua ferramenta, o mato sua matéria, a vida seu conhecimento.” (CLÉMENT, 1994, p.5)

Trata-se de uma situação de discussão de movimento. Nesse jardim móvel, o que se via ontem não está mais à vista hoje, o caminho por onde se passava ontem, mudou de lugar hoje. É o espaço sendo continuamente modificado, é o espaço processual.

O mapa das Capas
Hélio Oiticica(11) pode ser chamado de cartógrafo por ter inventado seus Parangolés. A proposta estava clara nas próprias “Instruções para feitura-performance de Capas Feitas no Corpo”:

  1. cada extensão de pano deve medir 3 metros de comprimento.
  2. o pano não deve ser cortado durante a feitura da capa, de modo a manter a estrutura-extensão como base viva da capa.
  3. Alfinetes de fralda devem ser usados para a construção da capa, que será depois cosida.
  4. A estrutura da capa-construída-no-corpo deve ser improvisada pelo participador; se a ajuda de outros participadores vier a calhar, ótimo; a estrutura deve ser construída em grupo em cada corpo participante, e feita de modo a ser retirada sem destruir, como uma roupa.
  5. Um grupo pode construir uma capa para várias pessoas, numa espécie de manifestação coletiva ao ar livre.
  6. O uso da dança e/ou performances criadas por outros indivíduos é essencial à ambientação dessa performance: assim como o uso do humor, do play desinteressado, etc. De modo a evitar uma atmosfera de seriedade soturna e sem graça “.(OITICICA, 1968)

A pessoa que está usando suas obras, transforma-se em experienciador e agente da obra. A barreira entre artista e observador é profundamente permeável. O observador não experiência completamente a obra se também não fizer parte dela, se não houver no momento da leitura dessa obra um fenômeno que reconstrua a própria obra. O artista chamava seus Parangolés de ‘transobjetos’, isto porque quando vestidos, estes se transformavam. Suas capas buscavam reavivar sensações não-condicionantes e uma experimentalidade nova a todo momento, sendo criada e recriada continuamente. Nesse caso, o mapa se torna móvel e apto a muitas outras experienciações. “Já não é o objeto no que possuía de conhecido, mas uma relação que torna o que já era conhecido num novo conhecimento e o que resta a ser apreendido, um lado poder-se-ia dizer desconhecido, que é o resto que permanece aberto à imaginação que sobre essa obra se recria”. (OITICICA, 1963, p. 86).

O mapa do Encontro 
Um mapa somente pode ser construído em tempo real, por cada pessoa que está experienciando aquele momento, a qual passa imediatamente a fazer parte dele. “Se essas imagens têm a perspectiva deste corpo que sinto agora, então essas imagens estão em meu corpo – são minhas – e eu posso agir sobre o objeto que a causou.” (DAMÁSIO, 1999, p.236). “Enquanto olha essa página e vê estas palavras, querendo ou não, você sente, de maneira automática e ininterrupta, que é você quem está lendo. Não sou eu, nem outra pessoa qualquer. É você. Você sente que os objetos que está percebendo agora – o livro, a sala à sua volta, a rua vista da janela – estão sendo apreendidos de sua perspectiva, e que os pensamentos formados em sua mente são seus, e não de alguma outra pessoa. Você também sente que pode atuar na cena caso deseje – pode parar de ler, começar a refletir, levantar-se e sair para uma caminhada.” (DAMÁSIO, 1999, p.168 e 169). Todo indivíduo está profundamente envolvido no processo de tomar conhecimento de sua própria existência. “O universo de conhecimento, de experiências, de percepções do ser humano não é passível de explicação a partir de uma perspectiva independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano (experiências, percepções) a partir dele mesmo.” (MATURANA e VARELA, 2001, p.18)
O mapa do encontro é a própria ação de negociar um caminho através de um mundo que não é fixo e pré-estabelecido, mas que é continuamente moldado pelos tipos de ações em que nos comprometemos. É a busca por emoções que estão continuamente expostas ao ambiente e sendo contaminadas por ele e pelos outros corpos. É nada mais que o encontro entre seu corpo e algum objeto ou espaço fora dele. No mapa do encontro, é necessário que o leitor do mapa tenha consciência de que é peça fundamental do processo e que reorganize o mapa de acordo com a legenda que deseja. Não existem legendas fixas e dadas gratuitamente. Nele, há uma fuga dos rótulos, das frases feitas e das narrativas pré-estabelecidas.

“Você está lendo este texto e, à medida que lê, está traduzindo o significado das palavras em um fluxo de pensamento conceitual. Por sua vez, as palavras e as sentenças da página, que são traduções de meus conceitos, traduzem-se, em sua mente, em mensagens não verbais. O conjunto dessas imagens define os conceitos que originalmente estavam em minha mente. Porém, paralelamente à percepção das palavras impressas e à exibição do conhecimento conceitual correspondente que é necessário para compreendê-las, sua mente também o representa fazendo a leitura e compreendendo, momento a momento. O alcance total de sua mente não se restringe a imagens do que está sendo percebido externamente ou do que é evocado em associação com que está sendo percebido. Ele também inclui você.” (DAMÁSIO, 1999, p.172).

Referências Bibliográficas
BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004

DAMÁSIO, Antonio. O Mistério da Consciência - Do Corpo, das Emoções ao Conhecimento de Si. São Paulo: Companhia das Letras, São Paulo, 1999

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia (trad. Ana Lucia de Oliveira ... et al). São Paulo: Ed. 34, 2002

GREINER, Christine. O Corpo: Pistas para Estudos Interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005

GREINER, C.; KATZ, H. A Natureza Cultural do Corpo. Lições de Dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001

____________. O Meio é a Mensagem: Porque o Corpo é Objeto da Comunicação. Húmus, Caxias do Sul, v. 01, n. 01, p. 11-20, 2004

JACQUES, Paola Berestein. Estética da Ginga – A Arquitetura das Favelas Através da Obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003

VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan e ROSCH, Eleanor. A Mente Corpórea: Ciência Cognitiva e Experiência Humana (trad. Joaquim Nogueira Gil e Jorge de Sousa). Lisboa: Instituto Piaget, 2001

WERTHEIM, Margaret. Uma História do Espaço de Dante à Internet. (trad. Maria Luiza X. de A. Borges, revisão de Paulo Vaz). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001

 

(1)Heloisa Neves é Arquiteta e Urbanista pela Unesp/Bauru. Mestre pela Comunicação e Semiótica da PUC/SP. Sua pesquisa de mestrado estudou a relação perceptiva corpo e cidade via Ciências Cognitivas e Filosofia. Atualmente vem ampliando suas pesquisas pelo estudo de fenômenos colaborativos e interativos na percepção corpo-cidade. Seu contato: hdneves@terra.com.br

(2) Organizações complexas emergentes, conceito de rede, caos, dentre outros.

(3) Gilles Deleuze, filósofo francês. Sua obra foi escrita, basicamente, entre os anos de 1960 e 1990. Debruçou-se fundamentalmente sobre a questão da complexidade, analisando movimento e multiplicidade. Criou muitos conceitos que botaram em cheque questões filosóficas tradicionais.

(4)António Damásio é neurocientista e neurobiólogo, estuda os processos de consciência, imagem corporal, percepção corpo-ambiente, emoção e sentimentos.

(5) Francisco Varela foi neurologista e grande estudioso da relação corpo ambiente, juntamente com Humberto Maturana criou a teoria da ‘autopoiese’ a qual rompe a barreira conceitual entre corpo e ambiente. Além disso, Varela era adepto da meditação e tentou entender como seu corpo se organizava no momento em que a estava praticando.

(6) Trabalharemos aqui nessa pesquisa somente com a percepção de objetos externos.

(7) Durante todo o filme e nas ocasiões em que as cenas são vistas pelo olhar de Amélie, as cores verde e vermelho se destacam perceptivamente.

(8) Máquina de Guerra é um conceito deleuziano discutido no livro Mil Platôs (2002), usado por Bey no seu livro TAZ.

(9) 1:1 é uma medida de escala que indica tamanho real, espaço total.

(10) Decalque entendido à luz de Gilles Deleuze.

(11 )Artista que trabalhava questões da arte móvel e realizada durante a ação. São obras de Oiticica: Tropicália, Ninhos, diversos tipos de Parangolés, dentre muitos outros.

Processo 018

Compreendi melhor a pergunta da Olga na orientação do mês passado: - Que ambiente você imagina para o seu solo? Qual a temperatura, iluminação, som e etc.?  Também lembrei da Cíntia Napoli, diretora artística da desCompanhia de dança, vislumbrando o ambiente do espetáculo “Lugares de Mim”. Ela dizia que via um espaço claro com muita luz, depois de um tempo definiu-se o uso do linóleo branco e fundo de tela branca para o cenário. Passando dois meses de pesquisa, agora percebo melhor o ambiente do meu solo, e esta foi firmada mediante a escolha do figurino e do cenário. Por essa razão, hoje caminhei no Centro pesquisando o preço do tecido do figurino e confetes de festa que serão espalhados no chão como cenário. Providenciarei eles para preparar o ambiente cênico do solo. Quero agilizar isso, pois entendo que usar a “mente do ambiente” no processo criativo é muito importante.  

Amanhã será a primeira mostra interna da Casa Hoffmann. Não usarei figurino específico, acessórios, nem cenário. Quero sentir o quanto o corpo está preenchido pela temática da obra. Ontem e hoje fui na Casa Hoffmann para aquecer e relembrar as questões já trabalhadas. Não tenho trabalho corporal muito desenvolvido, mas tudo bem, apresentarei o que eu tenho até agora.

CONCLUINDO: Estou tranqüilo, pois agora tenho um ambiente cênico para ser habitado pela dança. O frio da barriga continua, mas percebo que passei de uma fase para outra.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Processo 017

Hoje eu li o texto “O Encontro” da Heloisa Neves, ele veio complementar a pesquisa da fenomenologia que venho fazendo junto à desCompanhia de dança.

A leitura me deu segurança na escolha de uma configuração cênica que imerge corporalmente o público no espetáculo.

Para isso tenho imaginado algo como:

  • Platéia disposta em arena e próximo do espaço cênico;
  • Espalhar os confetes de festa do cenário até de baixo da platéia;
  • Iluminação que advêm de trás da platéia fazendo que a sombra dela faça parte do espetáculo;
  • Corredores em que eu possa atravessar a platéia.

P.S. O texto da Heloisa Neves também complementa teoricamente a oficina da Olga Nenevê e da Mariana Gomes.

Livro Chocolate - O Encontro – por Heloisa Neves

Texto original retirado do blog da autora: http://dosencontros.blogspot.com/

... o contato re-estruturante entre corpo e objeto

O termo encontro tem como base os diversos estudos que, a cada dia, vêm comprovando a relação inseparável entre corpo e ambiente. Esses estudos, que estão sendo realizados principalmente no campo das ciências cognitivas e da filosofia da mente, afirmam que um fenômeno somente se processa no momento em que há um ‘contato’ entre corpo e objeto, através do qual as barreiras entre o meio interno e externo são quebradas. Essa maneira de olhar para o mundo baseia-se em uma lógica conceitual emergente e auto-organizativa e não mais determinista, ou seja, amparada por um mecanismo de causa e efeito. Isso faz com que o mundo seja visto a partir de uma lógica sistêmica complexa e integrativa, onde nenhum elemento pode estar ‘fora’ da ação. Dentro e fora, corpo e ambiente devem ser estudados juntos porque a esta altura não é possível insistir em uma fronteira intransponível entre essas duas instâncias. Seguindo esse ponto de vista, o encontro seria a própria ação de entrar em contato com algo ou alguém, a qual causará uma consequentemente reorganização em ambos os lados. Ao estudar o encontro, nos deparamos com algumas teorias já bastante familiares. No entanto, a grande diferença é a nova maneira de se olhar para esse objeto. A percepção é um desses casos. O encontro é, acima de tudo, uma ação perceptiva. Mas esta é somente uma faceta do encontro, a parte mais íntima do processo.
Podem-se verificar milhares de encontros no dia-a-dia, o corpo está constantemente em contato com muitos objetos, situações e pessoas. No entanto, dentre toda essa variedade, essa pesquisa busca entender o encontro que se processa entre corpo e cidade. A escolha por esse fenômeno, em especial, se deu primeiro por eu ser arquiteta e possuir uma paixão pelas cidades; e segundo por existir uma carência de estudos recentes nessa área junto à arquitetura e urbanismo. Nas faculdades de arquitetura, a bibliografia usada ainda hoje para o estudo da percepção do espaço e áreas afins tem por base os estudos da fenomenologia[1] e behaviorismo[2], teorias que já estão sendo reformuladas pelos recentes estudos das ciências cognitivas. Esse fato não se restringe somente à arquitetura, muitas áreas estudam a percepção a partir dessas bases. Historicamente, os filósofos da fenomenologia foram um dos primeiros a tentar desvendar essa intrigante relação corpo-objeto. Com a ampla divulgação da filosofia de Heidegger e Merleau-Ponty e, mais tarde, com o advento do Behaviorismo, o estudo da relação entre o corpo (meio interno) e o objeto (meio externo) começou a ser cada vez mais requisitado. Na arquitetura, um dos primeiros arquitetos a tratar esse fenômeno foi Kevyn Lynch,[3] através dos estudos que culminaram no livro “A Imagem da Cidade” (1970). Nele, Lynch busca entender como cada pessoa constrói seus marcos na cidade, como cada pessoa constrói sua imagem da cidade.
Voltando à explicação do encontro (e agora já deixando claro onde estamos buscando nossas bases), pode-se dizer que a percepção é um dos elementos fundamentais do encontro e vem sendo estudada de maneira bastante inovadora por muitos cientistas. O encontro é um ato perceptivo, mas não é só isso. O estudo da percepção vem sempre acompanhado do estudo de dois outros tópicos fundamentais: as emoções e os sentimentos. Como sentimentos e emoções estão sendo estudados enquanto fenômenos necessariamente processados não só na mente, mas também no corpo, avança-se no estudo da percepção a partir do momento que passamos a estudá-la de uma forma mais ampla. A busca é por descobrir a relação essencial no ‘entre’ da percepção, isto é, na inseparabilidade do processo sensório e motor, já que as estruturas cognitivas emergem dos mapas recorrentes deles, os quais permitem que a ação seja guiada pela percepção, emoções e sentimentos. Sendo as percepções, sentimentos e emoções os conceitos fundamentais do encontro, deve-se dizer que o encontro é um processo contínuo e sempre expresso de duas maneiras: uma totalmente íntima, onde somente quem está realizando a ação pode ‘tocar’; e uma segunda que pode ser externalizada e compartilhada com outras pessoas através de um regime coletivo e cooperativo. O encontro interno e individual, invisível para o público em geral, escondido de quem quer que seja, exceto do seu proprietário, é expresso através do sentimento e da percepção. O encontro que se dá através de ações e movimentos públicos que se processam no rosto, na voz ou em comportamentos específicos, ou ainda aqueles que não são perceptíveis a olho nu, mas que podem se tornar visíveis com sondas científicas modernas (como a determinação de níveis hormonais sanguíneos ou de padrões de ondas eletrofisiológicas) é chamado de emoção.
O processo do encontro está totalmente enraizado na noção de subjetividade. No entanto, como esse é um termo que pode ser entendido de muitas maneiras, por ser usado por muitas linhas de estudo; torna-se necessário especificar melhor o que estamos entendendo por subjetividade. Buscamos esse esclarecimento nas pesquisas de George Lakoff e Mark Johnson[4], cujo trabalho possui coerência com as idéias dos neurologistas aqui estudados. Segundo Lakoff e Johnson (1999), a subjetividade depende do corpo em que se estabelece. Não existe interação somente entre objeto e mente, mas necessariamente entre objeto, corpo e mente. Além da experiência mental/subjetivizada, existe uma experiência sensório-motora. As duas estão sempre em interação, uma não existe sem a outra e o conhecimento depende dessa interação. Tradicionalmente, a subjetividade seria a parte imaterial do processo, algo abstrato. No entanto, nem mesmo essa palavra – imaterial - é aceita pelos novos estudos da subjetividade, porque ela vem sendo entendida juntamente com o aspecto corporal, físico (algo totalmente material). Não existe mais dualidade entre concreto e abstrato, corpo e mente. Nas ciências cognitivas, as teorias refutam o dualismo mente-corpo e o reducionismo das redes neurais e empregam modelos dinamicistas. O processo de percepção, por exemplo, parte e é inerente aos arranjos disposicionais do corpo no tempo e espaço. Como atestam Lakoff e Johnson (1999), as primeiras organizações neurológicas pré-cognitivas têm por base a relação espaço-direcional do corpo, que fundam as metáforas primárias e defendem que é o corpo em sua natureza que formata as conceituações. Sendo assim, o processo de percepção seria um processo espaço-temporal porque é obtido tanto pelas propriedades baseadas no corpo e mente quanto por suas projeções no espaço. Tais processos são a base da cognição humana, o que nos leva a entender que o corpo é algo fundamental em qualquer processo de subjetividade. Isso muda radicalmente o entendimento anterior de percepção e cognição distante do corpo, enquanto processos puramente mentais. A subjetividade não se refere, portanto, a uma idéia abstrata relacionada a uma alma ou mente separada do corpo. A subjetividade deve ser entendida enquanto um processo que ocorre simultaneamente no corpo, mente e ambiente e que surge a partir de um ponto de vista que o organismo assume em sua relação com o objeto. Sendo assim, dualismos como: o que está dentro do corpo é subjetivo e o que está fora do corpo é objetivo também devem ser entendidos como um pensamento errôneo. Não há como localizar o subjetivo e o objetivo, porque as fronteiras entre dentro e fora também estão muito tênues.
Entendendo-se que não há mais barreira dentro – fora, torna-se interessante entender como os corpos recebem os objetos que percebem. A relação é sempre por imagens. Os corpos percebem os objetos e os subjetivizam através de imagens mentais. Desde que o corpo ‘toca’ um objeto e dá inicio ao processo do encontro, ele entende tudo que recebe enquanto ‘imagem’. Qualquer objeto, situação ou outro corpo que alguém percebe (visualiza, escuta, sente...) ‘entra’ em seu corpo na forma de imagem. O mundo é visto através de imagens, sejam elas imagens sonoras, imagens visuais ou imagens sensoriais. Um objeto (DAMÁSIO, 2000) pode ser uma pessoa, um lugar, uma melodia, uma dor de dente ou um estado de êxtase. Imagem designa um padrão mental em qualquer modalidade sensorial, como, por exemplo, uma imagem sonora, uma imagem tátil, a imagem de um estado de bem-estar. Estas imagens comunicam não apenas características físicas do objeto, como também afetos em relação a ele e à rede de relações deste objeto em meio a outros objetos.
Assim como é importante entender os termos subjetividade e imagem, se torna fundamental desmistificar a igualdade entre os termos emoção e sentimento e verificar qual é sua relação com a percepção. Apesar de não raramente estes termos parecerem significar uma mesma coisa, o neurocientista António Damásio explica que eles estão intimamente ligados ao processo perceptivo, mas correspondem a ações bastante específicas. Damásio (2003) chegou à conclusão de que existe uma tênue, mas importante separação entre emoção e sentimento a partir de experimentos práticos em laboratório, onde primeiramente foi confirmado que as emoções e os sentimentos se processam em lugares diferentes do cérebro e, posteriormente, que é possível uma pessoa perder a capacidade de sentir certa emoção, permanecendo com a capacidade de continuar com o correspondente sentimento. Em alguns experimentos, por exemplo, seus pacientes podiam exibir uma expressão de medo, mas não sentir medo. Essas conclusões foram obtidas com a ajuda de técnicas de neuroimagem, que permitem a criação de imagens da anatomia e atividade do cérebro humano. “A emoção e o sentimento eram irmãos gêmeos, mas tudo indicava que a emoção tinha nascido primeiro, seguida pelo sentimento, e que o sentimento se seguia sempre à emoção como uma sombra.” (DAMÁSIO, 2003, p.14). A emoção e as várias reações com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto os sentimentos e a percepção estão alinhados com a mente. Isso não deve levar à conclusão de que são coisas separadas. Corpo e cérebro, emoção e sentimento andam sempre juntos, apesar de se expressarem em lugares distintos. Um objeto (imagem externa ou interna[5]) pode desencadear uma emoção, porém somente as modificações com que o corpo passa após receber essa imagem podem ser chamadas de sentimento. Esse processo de reorganização corporal, o qual damos o nome de sentimento pode ser entendido também enquanto percepção. As percepções visuais, por exemplo, correspondem a objetos exteriores ao corpo cujas características físicas alteram o estado das retinas e modificam, temporariamente, os padrões sensitivos dos mapas do sistema visual. Os sentimentos também podem ser entendidos enquanto modificações sofridas pelo corpo, as quais foram desencadeadas por um objeto. A única diferença entre sentimento e percepção é que o objeto que desencadeia a percepção é uma imagem externa (a cidade como é o caso dessa pesquisa) e a imagem que desencadeia o sentimento é uma imagem interna (uma lembrança de alguma situação, de algum objeto, uma memória). Na percepção, portanto, uma parte do fenômeno é devida à construção interna que o cérebro faz de um objeto. Ao contrário, os objetos e situações que constituem as origens imediatas da essência do sentimento estão colocados dentro do corpo e não fora dele. “Os sentimentos são tão mentais como qualquer outra percepção, mas os objetos imediatos que lhes servem de conteúdo fazem parte do organismo vivo do qual os sentimentos emergem.” (DAMÁSIO, 2003, p.98). Como o encontro aqui estudado é com a cidade, objeto externo ao corpo, trabalharemos o encontro estudando somente a percepção e não sentimento, mas isso não exclui a similaridade entre os dois termos.
Todos os corpos, principalmente os habitantes das cidades, praticam necessariamente os três níveis do processo do encontro: a emoção, a percepção, e o sentimento. Essas ações são importantes no próprio processo evolutivo. O processo do encontro inicia necessariamente com a emoção, quando um corpo se emociona e expressa essa emoção em relação a um objeto. Após emocionar-se com esse objeto, o corpo passa por alguns ajustes e mapeamentos que lhe provocarão um outro estado: o sentimento ou a percepção, dependendo da situação do objeto.
Falando mais especificamente das emoções, pode-se dizer que são processos pouco complexos dentro do plano da sobrevivência e são responsáveis por respostas simples como aproximação ou retraimento de um organismo inteiro em relação a um objeto, ou ainda a outras respostas como excitação ou quiescência. As emoções são coleções de respostas reflexas cujo conjunto pode atingir níveis de elaboração e coordenação extraordinários. O processo emotivo trabalha muitas áreas do organismo, o qual vai se complexificando até que o corpo produza a percepção. Abaixo, estão variados ajustes que o corpo faz a partir do momento em que inicia o encontro. Os ajustes citados estão embasados nas pesquisas de António Damásio (DAMÁSIO, 2003, p.38, 39 e 40):
· Em um nível mais baixo, a emoção trabalha os processos metabólicos. Esse processo inclui componentes químicos e mecânicos (secreções endócrinas/hormonais, contrações musculares relacionadas com a digestão) que mantêm o equilíbrio químico interior. Essas reações governam o ritmo cardíaco e a pressão arterial, dos quais dependem a distribuição apropriada do fluxo sanguíneo no corpo, os ajustamentos da acidez e da alcalinidade do meio interior (os fluidos que circulam no sangue e nos espaços entre as células) e o armazenamento e distribuição de proteínas, lipídeos e carboidratos, necessários para abastecer o organismo de energia, que por sua vez, é necessária para o movimento, fabricação de enzimas e para manter e renovar a estrutura do organismo.
· Também trabalha os reflexos básicos como o reflexo de startle (alarme ou susto), que os organismos exibem quando reagem a um ruído inesperado; e os tropismos ou ‘taxes’, que levam os organismos a escolher a luz e não o escuro, ou a evitar o frio e o calor extremos.
· O sistema imunológico que defende o organismo de vírus, de bactérias, de parasitas e de moléculas tóxicas que podem invadir o organismo.
· Comportamentos associados à noção de prazer (e recompensa) ou dor (e punição). Esses comportamentos incluem reações de aproximação e retraimento do organismo em relação a um objeto ou situação específicos. No seres humanos, os quais podem de alguma maneira relatar aquilo que sentem, essas reações são descritas como dolorosas ou aprazíveis, como recompensadoras ou punitivas. Esses comportamentos são uma série de ações, por vezes sutis, por vezes óbvias, com as quais a natureza tenta restabelecer o equilíbrio biológico de forma automática. Dentre essas ações, faz parte o retraimento do corpo (ou de uma parte dele), em relação à origem do problema, a proteção da parte do corpo afetada e expressões faciais de alarme e sofrimento. Essas ações são acompanhadas de diversas respostas, invisíveis a olho nu, organizadas pelo sistema imunológico. A parte visível desse processo culmina com a dor ou o prazer.
· Certas pulsões e motivações como a fome, sede, curiosidade e os comportamentos exploratórios, os comportamentos lúdicos e sexuais.
· As emoções propriamente ditas. Da alegria à mágoa, do medo ao orgulho, da vergonha à simpatia. Existem três tipos de emoção propriamente dita, as emoções de fundo, as emoções primárias e as emoções sociais. Depois do aparecimento desse tipo de emoção, a percepção do objeto está por vir.
A emoção se esquematiza da seguinte maneira: uma emoção é uma coleção de respostas químicas e neurais que formam um padrão distinto. Essas respostas são produzidas quando o cérebro normal detecta um estímulo, o objeto cuja presença real desencadeia a emoção. Importante ressaltar que as respostas são automáticas. O cérebro responde aos estímulos com repertórios e ações muito específicos. No entanto, a lista dos estímulos não se limita aos que foram criados pela evolução, inclui também outros adquiridos pela experiência individual; os quais ainda não possuem respostas muito específicas ou prontas. O resultado dessas respostas é uma alteração temporária do estado do corpo e do estado das estruturas cerebrais que mapeiam o corpo e sustentam o pensamento. O final desse processo é reagir ao objeto a fim de que direta ou indiretamente o corpo possa entrar em circunstância de bem-estar. Esses são os comportamentos clássicos da emoção, apesar da separação das fases do processo e o valor de cada uma não ser convencional, segundo comprova Damásio. (DAMÁSIO, 2003, p.61). As emoções são um meio natural de encontrar o ambiente, no caso dessa pesquisa, a cidade; reagindo de forma adaptativa. Podemos encontrar a cidade e seus diversos objetos conscientemente ou inconscientemente. Quando a encontrarmos conscientemente, estamos realmente avaliando, notando a presença de um objeto, sua relação com outros objetos e com o passado. Quando o encontro é consciente, podemos modular as reações. Quando ocorre um encontro inconsciente, ainda assim a emoção continua a fazer parte do processo e indica que o organismo avaliou de maneira menos atenta a situação. Por isso podemos dizer que o encontro é também uma reação automática do corpo de tal maneira que não é possível viver em uma cidade sem se ‘embriagar’ dela. Aliás, a maior parte dos objetos que nos rodeia acaba por ser capaz de desencadear emoções, sejam elas fortes ou fracas, boas ou más. Alguns espaços da cidade ou situações nos encontram por razões evolucionárias. Mas, outros se transformam em estímulos emocionais criados pela experiência individual. Por isso dizemos que os significados nem sempre estão prontos, mas sim a serem significados durante o ato do encontro. Apesar de bastante completas, a evolução e a história não têm respostas para todas as situações, sendo necessário aos corpos encontrar formas criativas de reagir a elas. A emoção é a parte do processo do encontro que pode ser trabalhada na coletividade. É visível e externa e por isso se encontra completamente exposta a muitas contaminações tanto da cidade quanto de outros corpos. Os estímulos do ambiente e as influências dos outros corpos são detectados facilmente pelos corpos, os quais respondem impensadamente com a emoção.
Quando as conseqüências da emoção são mapeadas no cérebro, o resultado é o sentimento ou a percepção. São eles que abrem a porta para o controle voluntário daquilo que até então era automático. Segundo Damásio, a percepção assim pode ser descrita: “um organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação causa uma mudança no organismo.” (DAMÁSIO, 1999, p.38). Essa relação existente entre corpo e objeto é vital. Perceber o mundo é algo inevitável para qualquer um de nós. Para explicar melhor como podemos perceber algo, devemos começar dizendo que acima de qualquer coisa existe uma perspectiva individual e muito subjetiva[6]. Damásio propõe um exercício prático para essa situação, onde pede que nos imaginemos atravessando uma rua e, de repente aparece um carro vindo rapidamente em nossa direção. A percepção que temos desse carro vindo em nossa direção é a percepção do corpo que está vivendo a situação, e não pode ser o corpo de mais ninguém. Uma pessoa que está no terceiro andar de um prédio e vê a mesma cena, percebe de um ponto de vista diferente, o do corpo dela. Enquanto o carro se aproxima, uma série de ajustes corporais são feitos rapidamente. A sinalização dessas mudanças são um meio de implementar na mente dessa pessoa a percepção do seu corpo. Essa percepção acontece primeiro graças ao seu sistema perceptivo específico e segundo através dos variados ajustes que são efetuados simultaneamente por diferentes setores musculares do corpo e pelo sistema vestibular. Há também sinais derivados das reações emocionais a um objeto específico. Estes ajustamentos descrevem tanto o objeto (que nesse exemplo é o carro) que ganha vulto ao aproximar-se do organismo, quanto as reações do organismo em direção ao objeto, à medida que o organismo se regula para manter um processamento satisfatório do objeto. "Para perceber um objeto, visualmente ou de algum outro modo, o organismo requer tanto os sinais sensoriais especializados como os sinais provenientes do ajustamento do corpo, que são necessários para a ocorrência de percepção.” (DAMÁSIO, 1999, p.192).
Quando alguém ouve uma música ou é tocado por um objeto, o mapa formado é sempre em relação ao próprio corpo, pois ele é traçado com base nas modificações sofridas por seu organismo durante os eventos de ouvir ou tocar. A forma como o organismo percebe, ou seja, o mapa que o organismo faz durante o processo de percepção é essencial para a resposta que dará ao objeto. “A perspectiva correta em relação ao carro que se aproxima é importante para que se arquitete o movimento com o qual vai se escapar do veículo, e o mesmo se aplica à perspectiva de uma bola que se deve apanhar com a mão. O senso automático da condição de agente individual nasce naquele exato momento.” (DAMÁSIO, 1999, p.194).
O sistema que, supostamente, transmite os sinais e faz com que todo esse processo descrito acima ocorra chama-se sistema sômato-sensitivo. Esse sistema designa a percepção sensitiva do soma, palavra que significa corpo. No entanto, geralmente se usa esse termo restritivamente, sendo evocado somente para se referir ao tato ou à sensação nos músculos e nas articulações. No entanto, esse sistema relaciona muitas outras coisas, na verdade relaciona uma combinação de vários sistemas responsáveis por transmitir ao cérebro sinais sobre vários aspectos do corpo. Enfim, esse sistema é responsável por mapear o corpo enquanto realiza a percepção e transmitir essa informação ao cérebro. Esse mapeamento é feito por diferentes mecanismos, alguns não usam nem ao menos os neurônios para fazer a transmissão, mas sim substâncias químicas que estão disponíveis na corrente sanguínea. Apesar das percepções corporais serem mapeadas por diferentes mecanismos, elas atuam em perfeita cooperação produzindo uma infinidade de mapas dos vários estados perceptivos do corpo, em qualquer momento.
Quando um objeto é percebido, os órgãos sensoriais periféricos como o olho ou o ouvido, são acionados sensorialmente. Geralmente são acionados simultaneamente. “Não existe percepção pura de um objeto em um canal sensorial, por exemplo, a visão ou audição, as mudanças simultâneas não são um acompanhamento opcional. Essas sensações são transmitidas ao córtex cerebral. Além dos córtices sensoriais primários, podemos acionar também mapas neurais, caso o objeto percebido ative alguma memória dessa representação. Quando o objeto atinge o córtex sensorial, há uma primeira representação a partir do processamento de cores, formas, movimentos e freqüências auditivas. A partir daqui, o corpo passa a realizar ajustes motores necessários para que os sinais do objeto continuem a ser reunidos por ele e então uma segunda representação é formada. Essa segunda representação é a relação entre objeto, organismo e a relação dos dois. Resumindo, o encontro perceptivo acontece quando a imagem do objeto afeta um corpo (e isso acontece a todo momento). A percepção que esse corpo tinha antes de ter recebido essa imagem era diferente, possuía um desenho diferente do que a que ele tem nesse momento. Agora, a imagem do objeto que o corpo percebeu através do encontro afetou-o de tal maneira que ele precisou se reorganizar, se reestruturar, modificar seu desenho. Como o próprio estado do organismo é afetado nesse encontro, havendo uma acomodação interna da imagem externa, diz-se que o evento possui um contexto espacial e temporal. O corpo entrou em interação com o objeto e se transformou. Ou seja, não existe percepção pura de um objeto porque, além da imagem já chegar ao até o corpo através da simultaneidade de sentidos (o olho enxerga junto com o tato que sente e com o nariz), ao entrar no organismo passa por ajustamentos corporais necessários para sua perfeita percepção.
Esse mapeamento que se cria em trânsito é elaborado ou organizado através da permeabilidade da fronteira dentro-fora já que ela está sendo continuamente alterada por encontros com objetos ou eventos em seu meio ou também por pensamentos e ajustes internos do processo da vida. Esse mecanismo é extremamente complexo e capta uma imensidão de imagens perceptivas, as quais são geradas a cada segundo. Importante ressaltar que, apesar de extremamente complexo, o processo perceptivo acontece independente de nosso poder de escolha. Perceber é um ato cognitivo que perpassa nossa própria vontade, e por isso se torna tão vital quanto respirar. A percepção é uma atividade colaborativa entre um corpo e no mínimo um objeto. A percepção é uma atividade do ambiente processada no corpo, nós somos o mundo e o mundo vive através de nós. (Katz e Greiner, 2004) A percepção e as “sensações, emoções, pensamentos, imagens, idéias não operam sobre o corpo, são o corpo, são expressões da dinâmica estrutural do sistema nervoso em seu presente.” (MATURANA e VARELA, 2001, p.38).
E, se existe uma cooperação entre exterior e interior ali, ela também se faz presente entre os próprios mecanismos internos do corpo. Por exemplo, quando existe uma percepção visual, o nervo óptico estabelece a ligação entre os olhos e uma região do hipotálamo designada por núcleo lateral geniculado e daí até o córtex visual. A explicação que estamos acostumados a ouvir sobre esse mecanismo perceptivo visual é que a informação entra através dos olhos e é retransmitida sequencialmente através do tálamo ao córtex para processamento adicional. Mas, se observarmos melhor e entendermos que a percepção trabalha criando mapas do objeto e do corpo ao mesmo tempo, veremos que essa informação não faz muito sentido. “É evidente que 80 por cento daquilo que qualquer célula LGN escuta não provém da retina, mas sim da densa interconexão de outras regiões do cérebro. Além disso, podemos ver que há mais fibras vindo do córtex para o LGN do que aquelas que seguem no sentido oposto. Olhar para os circuitos visuais como constituindo um processador seqüencial parece inteiramente arbitrário; seria igualmente fácil ver a seqüência ir no sentido inverso.” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, p.134).
Portanto, o encontro é mais uma ação conjunta entre as diversas partes envolvidas (informações do objeto, córtex visual primário, formação reticular, descarga corolária de neurônios que controlam o movimento dos olhos...) do que um processo que faz com que somente um dos elementos envolvidos cumpra a ação, como se fosse possível uma informação com uma direção de atuação definida. Esse mecanismo de reconhecimento de um objeto é concebido atualmente como emergência de um estado global. O estado global envolve mais elementos do que se imaginava há pouco tempo. Ao se estudar a visão, atualmente, devemos prestar atenção à forma do objeto, propriedade de superfície, relações espaciais tridimensionais no espaço e movimento tridimensional. “Essas diferentes modalidades visuais são propriedade emergentes de sub-redes concorrentes, que têm um grau de independência e mesmo uma separabilidade anatômica, mas que se correlacionam e trabalham em conjunto, de tal modo que praticamente em qualquer momento uma percepção visual se torna coerente.” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, p.213). Além disso, a percepção visual mantém um intercâmbio ativo com outras modalidades sensoriais como as associações de cor e som, bem como cor e percepção horizontal/vertical. “A rede neuronal não funciona como uma rua de sentido único da percepção para a ação. Percepção e ação, sensorium e motorium encontram-se interligados na qualidade de padrões sucessivamente emergentes e mutuamente selecionadores.” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, p.215)
No encontro corpo-cidade há uma união espaço-tempo-corporal, o qual mapeia a relação corpo-cidade/dentro-fora através de uma relação onde o espaço é o elemento capaz de reconhecer cor, forma, som; o corpo é possuidor de memória, capacidade de reter informação e o tempo é responsável pela recolocação e reorganização dessas informações a cada segundo. Ao pensar nessa relação buscando uma imagem para explicá-la, imagino uma cidade enquanto uma chuva de informações e o corpo caminhando por entre essa chuva. Algumas dessas gotas atingem o corpo e esse toque seria o encontro. Essas gotas que tocaram o corpo, o tocaram por alguns motivos, o encontro não é totalmente ocasional. Há regras, de ambos os lados que fazem com que a cidade e o corpo se toquem mutuamente. Essas regras são bastante diferentes para cada um dos seus habitantes. As gotas que um corpo pode tocar (por seu aparato biológico, por seu repertório memorial e pelas próprias disposições das gotas) são completamente diferentes daquelas que outro corpo pode tocar. Primeiramente, porque estão fisicamente dispostos em lugares distintos, portanto, possuem diferenças espaciais; e segundo porque cada repertório pessoal é muito singular (cada corpo, apesar de ser bastante semelhante, possui ‘n’ informações diferentes que possibilitam ‘n’ conexões). António Damásio faz a seguinte pergunta: “como o cérebro poderia representar o fato de que um objeto, quando um organismo se ocupa com seu processamento, faz com que o organismo reaja e, com isso altera seu estado?” (DAMÁSIO, 1999, p.45). O fato é que percebemos a cidade, ou seja, a encontramos, a partir do momento em que o corpo inicia um processo de representação sem palavras, que seria o mapeamento do próprio estado corporal durante aquele exato momento.
Através dessa nova maneira de entender a percepção, sempre aliada à emoção e ao sentimento, não mais de maneira linear, mas de uma maneira emergente, o corpo-mente torna-se elemento fundamental no processo perceptivo e representacional. Segundo Varela “o papel do meio mudou-se tranquilamente da posição em que era um ponto de referência preeminente, retrocedendo cada vez mais para o pano de fundo, enquanto a idéia da mente como uma rede emergente e autônoma de relações adquiriu uma posição central. Chegou então a altura de pôr a questão: o que há em tais redes, se é que há alguma coisa, de representacional?” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 1991, p.185). Essa nova forma de ver o processo informacional leva a uma discussão do próprio conceito de informação e comunicação. Conforme nos aproximamos desse tipo de representação, encontramos também um novo jeito de compreender o corpo, passando a ser entendido como mídia que exterioriza informações. Ela se constrói nas intermediações a serem construídas e na previsão, descrita por Rodolfo Llinás[7] de que tal comunicação não busca mais entender os atos reflexos, mas sim os atos enquanto uma aliança entre os níveis de atuação neurofisiológico e fenomenológico (GREINER e KATZ, 2004). Pensamento-movimento, elementos-chave nos processos contemporâneos da comunicação. Cada corpo, redescobrindo-se e retocando-se constantemente através de novos espaços e tempos, novas relações com o ambiente em que está inserido, modifica os meios de comunicação e conseqüentemente torna-se uma mídia muito particular. Por esse viés, o corpo não pode mais ser analisado enquanto um ser separado da natureza e cultura, já que o corpo está completamente entranhado nela. Desde que passamos a olhar o corpo com outros olhos, passamos a enxergar também o ambiente que constitui sua materialidade.
O mapa do encontro, objeto de estudo dessa pesquisa, fala dessa discussão sobre o novo entendimento do corpo, ambiente e cultura porque está no intermeio desses elementos. Construir mapas do encontro é o mesmo que misturar corpos em transformação, colocar forças em tensão. O objetivo desse jogo é fazer com que as partes envolvidas entrem em um processo de reorganização e criação de outros estados, outras imagens; as quais podem ser chamadas de ação, percepção. É através desse encontro que há comunicação/cognição.
[1] A Fenomenologia trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. Propõe a extinção da separação entre "sujeito" e "objeto", opondo-se ao pensamento positivista do século XIX. O método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. Na prática da fenomenologia efetua-se o processo de redução fenomenológica o qual permite atingir a essência do fenômeno. A diferença sutil entre a fenomenologia e os estudos recentes de ciencias cognitivas, é a maneira como essa relação corpo-objeto é formada. Nos estudos das ciencias congitivas atuais busca-se chegar à relação incluindo também a organização corporal do processo. Já a fenomenologia acreditava que a busca dessa resposta estaria somente no cérebro ou nas organizações de uma suposta “alma”, tanto para os objetos quanto para as coisas.
[2] Behaviorismo (Behaviorism em inglês, de behaviour (RU) ou behavior (EUA): comportamento, conduta), ou comportamentalismo, é o conjunto das teorias psicológicas que postulam o comportamento como único, ou ao menos mais desejável, objeto de estudo da Psicologia. Os behavioristas afirmam que os processos mentais internos não são mensuráveis ou analisáveis, sendo, portanto, de pouca utilidade para a psicologia empírica.
[3] Kevin Lynch foi urbanista e escritor. Escrevia sobre urbanismo, aplicando práticas ainda não conhecidas para analisar a cidade.
[4] Lingüista e filósofo contemporâneo, estudam dentre outras coisas os conceitos de metáfora e subjetividade.
[5] Objeto externo deve ser entendido enquanto qualquer objeto existente no mundo, externo ao corpo. Objeto interno deve ser entendido enquanto a própria recriação interna de um objeto externo, ou seja, quando o corpo relembra algum objeto externo.
[6] Subjetivo entendido como foi exposto acima.
[7] Rodolfo Llinás é neurocientista, estudioso dos princípios do movimento e da consciência como ignições para os processos de comunicação com o ambiente.