O solo "Vozes do outono" foi aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura pelo Edital 265-10 de Pesquisa em Dança da Casa Hoffmann Centro de Estudo de Movimentos em 2011 pela Fundação Cultural de Curitiba. A estreia aconteceu no dia 27 de setembro de 2011 no evento DANCON Liga Cultural de Dança em Belo Horizonte.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Yiuki Doi (Curriculum)

Blog Vozes Yiuki Doi CurriculumDançarino e professor do projeto SummuS Contato Improvisação (2010-). Fez parte da desCompanhiade dança durante 10 anos (2005-2015). Foi bolsista residente da Casa Hoffmann Centro de Estudos do Movimento de Curitiba no ano de 2011 e 2012.

Com experiência maior em dança contemporânea, conheceu o Contato Improvisação em 2007. Mantendo atualização constante em workshops, participou do III, IV e VIII Encontro Internacional de Contato Improvisação de São Paulo (2011, 2012 e 2017). Em 2014, foi professor no Sul em Contato – Festival Internacional de Contato Improvisação de Porto Alegre.

Entre seus professores de CI, facilitadores, se encontram: Olase Freeman, Ralf Jaroschinski, Ana Alonso, Nita Little, Paula Zacharias, Cris Turdo, Fernanda Carvalho Leite, Nita Little, Diogo Granato, Fernando Neder, Daniela Schwartz, Eckhard Mueller, Autarco Arfini, Alessandro Rivellino, Juliana Vicari, Lior Ophir, Marina Scandolara, Ryan Lebrão, OberDan Piantino, Leo Serrano e Hugo Leonardo.

Como artista criador fez parte da montagem do espetáculo “allsense (Grupo, 2005)”, “Ainda é rosa (Solo, 2007)”, “Lugares de mim (Grupo, 2008)”, “Feche os Olhos para Olhar (Grupo, 2010)”, "Vozes do Outono" (Solo, 2011), “sobre sujeitos, objetos e afetos” (Grupo, 2012)", “IN-REAL acontecimentos poéticos” (Grupo,2012),  Input (Grupo, 2014), “Plaftpet” (Grupo 2015) da desCompanhia de dança. Através desses trabalhos, participou do Programa Destino Brasil Dança do Canal Brasil (2014); do Projeto Modos de Existir - SESC Pompeia/SP (2013); das Semanas de Dança do Centro Cultural São Paulo (2013); Festival Internacional de Dança de Ingostadt / Alemanha (2011); entre outros eventos de dança.

Como ativista cultural foi integrante do Fórum de Dança de Curitiba (2010-2016), membro da Comissão do Fundo Municipal de Cultura de Curitiba (2016), delegado setorial da dança na Conferência Extraordinária da Cultura de Curitiba 2014, delegado da cultura da Conferência de Cultura da Macrorregião de Curitiba 2012 e integrante do Conselho Municipal da Cultura de Curitiba (2010-2012)

Formado em Desenho Industrial Programação Visual pela UFPR também é sócio administrativo da Star T Design (2007-). Atualmente está graduando em Licenciatura em Dança pela FAP/UNESPAR.

“Vozes do Outono” no Museu Oscar Niemeyer / 04 de Dezembro de 2011 (Curitiba – PR)

“Dança Performativa no MON
com a curadoria de Rosemeri Rocha”

  • Solos: “Vozes do Outono”
  • Data: 04 de Dezembro de 2011 (domingo)
  • Horário: apartir das 14:30 (haverá vários performances em seqüencia, favor verificar os horários na programação abaixo)
  • Endereço: Museu Oscar Niemeyer, R. Marechal Hermes, 999, Centro Cívico, Curitiba, Paraná – Brasil CEP: 80530230
  • Entrada: Gratuita
  • Programação: no informativo abaixo.

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

AS METÁFORAS DANÇADAS - Fátima Wachowicz

AS METÁFORAS DANÇADAS
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Dança, metáfora, ciências cognitivas

Relacionar a dança e as ciências cognitivas foi a estratégia utilizada para a pesquisa de mestrado intitulada: “Embodied, um espetáculo de metáforas dançadas”, defendida em novembro/2005, junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Embodied Cognitive Science foi aplicada como fundamentação teórica, sobretudo no que se refere ao estudo das metáforas, abordado por George Lakoff e Mark Johnson nas publicações de 1999(Philosophy in the Flesh-The Embodied Mind its Challenge to Western Thought) e 2002 (Metáforas da vida cotidiana). As hipóteses filosóficas apontadas pelos autores Lakoff e Johnson propõem a mudança paradigmática sobre a natureza da razão, afirmam o conceito de pensamento metafórico, a incorporação da mente
(embodied mind), e indicam, ainda, que o pensamento, assim como as ações, decorrem do sistema sensoriomotor, porém se manifestam de maneiras diferentes. Assim, a cognição é o espaço onde o corpo, o ambiente e o cérebro estão acoplados densamente, e a metáfora tornase uma importante ferramenta cognitiva.

Os autores sugerem, nas publicações de 1999 e 2002, que a razão é o fundamento ou causa justificativa de uma ação, atitude ou ponto de vista; que é a crença filosófica que define as características humanas (LAKOFF E JOHNSON, 1999:4). Então, uma mudança na visão de
razão significa uma alteração na crença filosófica e nos parâmetros referenciais de observação e pesquisa de um objeto, qual seja, artística, científica ou outra.

Desta maneira, os autores identificam uma mudança radical sobre o que é razão, sua natureza e como ela opera, e sugerem três pressupostos que afetam aspectos centrais da tradicional filosofia ocidental1: o conceito embodied mind (mente incorporada), o pensamento metafórico e o subconsciente cognitivo.

O conceito embodied mind afirma que as ações de raciocinar, perceber e executar funções corporais encontram-se densamente interconectadas em nosso cérebro. Isto leva a acreditar que muito da inferência conceitual é inferência sensoriomotora. E assegura, ainda, que razão não é completamente consciente; não é puramente literal, mas largamente metafórica e imaginativa; e também não é impassional, mas engajada emocionalmente.

O conceito de pensamento metafórico propõe que metáforas são inferências relativas ao fenômeno sensorial e à atividade motora em concomitância, decorrentes da ativação de conexões neurais, nas quais se estruturam os conceitos de experiências e julgamentos subjetivos.

Assim, pode-se pensar que metáforas não são simples formas de articulação de palavras, mas estratégias de pensamento e ação. Divergindo da idéia que ainda prevalece, porém, é anacrônica e localiza a metáfora apenas como um ornamento lingüístico destituído de importante valor cognitivo.

Uma manifestação de dança já é possuidora de conceitos estéticos e, nesta perspectiva, de valores políticos. Referenciais filosóficos, estéticos e políticos estão ordenados e conectados como uma malha conceitual que intercambia informações e, a partir desta permuta, criamse
e recriam-se formas e significados. Na dança, metáforas podem se estabelecer e vir a atuar nas ações de movimentos durante um espetáculo, pois se estruturam nos conceitos de experiências e julgamentos subjetivos dos intérpretes. Observa- se que os dançarinos podem sugerir metáforas como estratégias de pensamento e ação e que os mesmos parecem atuar como agentes metafóricos que compreendem e experimentam uma coisa em relação à outra.

Segundo Lakoff e Johnson, a razão é fundamentalmente embodied e esse é o achado das ciências cognitivas, do qual se destaca um aspecto: articula que é a razão tramada com os corpos e peculiaridades do cérebro, e que esses resultados dizem que os corpos, os cérebros e as interações com o ambiente provêm da mais inconsciente base da metafísica diária, que é o senso do que é real. O senso do que é real começa nas dependências cruciais entre o corpo, especialmente o aparato sensoriomotor, o qual permite ao corpo perceber, mover e manipular, e nas estruturas detalhadas dos cérebros, as quais teriam sido formatadas em ambas evoluções e experiências.

Uma vez que o corpo apreendeu uma informação, tem-se a necessidade de categorizar e organizar as informações. Tais categorias seriam, então, formadas pelo nosso embodiement. Para os autores, a formação e uso das categorias são a essência da experiência. Os corpos e cérebros estão constantemente engajando informações e categorizandoas.

A nova que chega aos neurônios do cérebro é distribuída no corpo em rede, e a rede perceptiva fornece a informação ao corpo. Desta maneira, entende-se que os pensamentos passam pela motricidade, assim como a noção de amor ou as noções abstratas.

Percebe-se, portanto, que a metáfora envolve a compreensão de um domínio da experiência, e pode ser entendida como um mapeamento.

Os autores entendem que “nenhuma metáfora pode ser compreendida ou até mesmo representada de forma adequada, independentemente de sua base experiencial” (L&J: 2002,68).

Pode-se sugerir que um dançarino, ao experimentar a qualidade de um objeto, ou uma manifestação da natureza, como o vento ou a água, ou um estado moral, ou outra qualidade que lhe interesse no movimento, em seu corpo, ele está investigando um conceito metafórico, uma vez que se entende que “a metáfora não é uma questão apenas de linguagem, mas de pensamento e razão” (LAKOFF E JOHNSON, 2002:25).

Em uma dança, um leitmotiv é o motivo condutor, é a idéia sobre a qual se insiste com freqüência, a repetição de determinado tema que envolve uma significação especial naquela dança. Já a idéia de experimentar uma qualidade de movimento no corpo e dançar a experiência de tal conceito, explorando as possibilidades de movimentos, observando como o corpo se comporta ao executar esta proposta, não seria um leitmotiv, o tema que se repete, mas uma idéia que está lá, no corpo. Uma metáfora experimentada no corpo.

Pode-se pensar, então, que uma metáfora estrutura um conceito, ou pelo menos é material indispensável para isso. Assim, concorda-se que pensamento não é algo puramente objetivo e definido pelo mundo externo, mas que o modo como se pensa está inseparavelmente ligado ao modo como o corpo se orienta e atua no mundo.

Os autores utilizam o exemplo de uma corrida, que existe no tempo e no espaço e é bem demarcada. Ao seguir esta linha de raciocínio, ajustando-a para um espetáculo, constata-se que este também existe no tempo e no espaço, e pode ser visto como um recipiente, pois contém objetos (os participantes), é um evento que começa e acaba (início e fim são objetos metafóricos), e possui uma atividade inserida, que pode incluir dança, atuação, performance, qual seja, uma substância metafórica contida no recipiente. Um espetáculo é um recipiente, capaz de comportar outras metáforas.

É importante ressaltar que um recipiente é aqui sugerido como o ponto de convergência de uma atividade, passível de trocas de informações entre seus componentes e com o ambiente. O recipiente é compreendido como o lugar para onde correm informações vindas de vários pontos, o receptáculo que agrega o conjunto das partes de um todo, que coordenados entre si funcionam como uma estrutura organizada e trocam informações, experiências e habilidades com o exterior, o “lado de fora”, ou seja, o ambiente. Sendo uma corrida ou um espetáculo este recipiente, ele apresenta o estado de fase em que se encontra aquele sistema, que pode compreender séries ou ciclos de modificações em qualquer estágio ou etapa de sua evolução.

O presente trabalho procurou investigar algumas possíveis relações entre este novo paradigma chamado de embodied cognitive science e o objeto artístico, buscando o entendimento de como ocorre a interação entre tais conceitos e a dança, examinando possibilidades de relações entre os conhecimentos artísticos e científicos por acreditar serem sutis as interfaces entre estas duas áreas de conhecimento. Assumindo o pressuposto no qual corpo/mente são vistos como contínuo, em que se pode compreender o mundo por meio de metáforas construídas com base nas experiências corporais, e tendo o conceito de metáfora como um mecanismo fundamental para a compreensão das experiências artísticas.

Nota

1 Uma longa tradição em filosofia afirmou com segurança que a mente deveria ser uma entidade não corporal, constituída como uma substância mental. Esta tese compõe a base do pensamento filosófico ocidental e é conhecida como dualismo cartesiano. Cartesiano por ter sido proposta por René Descartes, e dualista por propor duas substâncias para explicar os eventos no mundo: a mental e a física/ material.

Bibliografia

DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. São Paulo: UNESP,1995.

JOHNSON, Mark. Embodied Reason. In Weiss & Haber (orgs) Perspectives on Embodiment – The Intersections of nature and culture. New York: Routledge, 1999, 79-102.

LAKOFF, George. JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh – The Embodied Mind and its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books, 1999.

LAKOFF, George. JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: EDUC, 2002.

QUEIROZ, João. Considerations on Lakoff & Johnson approach to embodied cognitive science – Philosophy in the Flesh: Embodied Mind and it’s Challenge to Western Thought. 2001. Galáxia 1:1, 227-230. (In: Brain & Mind: Eletronic Journal of Neuroscience). Disponível on line em http:// www.epub.org.br/cm/home_i.htm. Acessado em 2004.)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Zdzislaw Beksinski

Zdzisław Beksiński (24 de fevereiro de 1929 – 21 de fevereiro de 2005) foi um renomado pintor, fotógrafo e artista fantástico polonês

Beksiński produzia suas pinturas e desenhos em um estilo que ele chamava ora de "Barroco", ora de "Gótico". O primeiro era dominado pela representação, com os exemplos mais conhecidos advindos de seu período de "realismo fantástico", em que ele pintava imagens perturbadoras de ambientes surrealísticos e atemorizantes. O segundo estilo é mais abstrato, sendo dominado pela forma e tipificado pelas últimas pinturas do artista.

Beksiński morreu assassinado em 2005, aos 75 anos de idade

terça-feira, 15 de novembro de 2011

CAFÉ FILOSÓFICO - A ALEGRIA E O TRÁGICO EM NIETZSCHE

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e esta luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!” – Não se lançaria ao chão e rangerias os dentes e amaldiçarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tú es um deus, e nunca ouvi nada mais divino! Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pensaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação de chancela? - -

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

OBRAS INCOMPLETAS – Página 208
Seleção de textos de Gérald Lebrun
Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho
Abril Cultura, 1983
Os Pensadores

terça-feira, 1 de novembro de 2011

As idéias que dançam: o teatro de Artaud e a dança Butoh - José Carlos Araújo Jr.

“Compartilho esse texto que a Rosemeri Rocha, docente da FAP, me indicou. Surpreendeu-me como possui relação com o meu  solo.” Yiuki

Antonin ArtaudO equilíbrio de uma linguagem verbal e sua significação é incapaz de transmitir aos sentidos a vertigem obscura e vigorosa de um corpo que dança. A fixidez, a impotência e o peso da palavra paralisam os movimentos e silenciam os gestos. Já o dançarino salta os limites do verbo, e se lança no fluxo vital de constante mudança. Ele tem os ouvidos nos pés em contato com a terra, que contagia e faz vibrar o corpo todo. A dança vai abalar a inércia imposta pelas palavras e romper com a linguagem do verbo. É o gesto que foge ao alcance das sílabas da razão.

A arte e a literatura moderna vão buscar esse rompimento com o império da palavra. Antonin Artaud (1896-1948), numa tentativa radical e dilacerante experimentou uma linguagem para além da fala articulada. No seu horizonte estava a idéia que dança. Esse pensamento que vibra em seu teatro alquímico terá ressonância no oriente. A dança japonesa Butoh, na década de 60, vai ser afetada pelos ensinamentos e inquietações do criador do Teatro da Crueldade. Num dos textos do livro O Teatro e seu Duplo, Artaud faz uma reflexão comparativa entre o teatro ocidental e o teatro oriental. Enquanto naquele o texto e o diálogo predominam, neste há uma expansão experimental física e corpórea, onde a precisão da palavra é prescindível, dando lugar a uma idéia sísmica que desloca-se com o corpo.

Ideogramas animados encantam e abalam através de signos, uma idéia plástica de fissuras que cintilam e sugerem o contato direto com o desconhecido e o abissal. A linguagem cifrada e elástica atinge os espaços inimagináveis do pensamento e do espírito, e para além deles. Num teatro subordinado à palavra tem-se um jogo psicológico cotidiano envolvido, um enredo que deposita todo seu peso sobre a inércia experimental da platéia. Artaud pensa para além da psicologia no teatro e deseja a cena envolvendo o público numa atmosfera pelo avesso, vertigem crescente, semelhante ao transe xamânico. Obcecado por essa idéia de esquecimento de si e pelo processo de desindividualização ele parte, em 1936, para o México, disposto a estudar a cultura pré-colombiana e a participar do culto do peiote, junto aos índios Taraumaras.

Na dança do peiote, o Rito é executado num círculo. Ali, o delírio da planta jorra para fora do corpo através do frenesi dos movimentos. Labaredas, como línguas de fogo, agitam as sombras dos corpos em transe. Vibra a terra calcada pelos pés nus dos Taraumaras. Faz-se o contato violento com o universo e com o imemorial através do rito. Convulsão dos pés, delírio dos músculos, contração das vísceras, escarro do peiote nas covas abertas no chão. Força que jorra o vômito da planta de volta à terra.

É com os Taraumaras que vive um ritual de rompimento com a palavra. O verbo é o fardo, a ausência de leveza, que torna o corpo incapaz de dançar. Pode-se estabelecer certas correspondências entre essa experiência xâmanica e o teatro oriental. Nessas expressões do corpo e da terra a pluralidade de sentidos se impõe sobre a relação de causa e efeito. Há uma explosão do significado, não existe o entendimento único, absoluto, verdadeiro. "No teatro oriental – reconhece Artaud – as formas apoderam-se de seu sentido e de suas significações em todos os planos possíveis; ou, se quisermos, suas conseqüências vibratórias não são tiradas num único plano, mas em todos os planos do espírito ao mesmo tempo". Artaud deseja uma encenação sob um ângulo de magia e de bruxaria, uma poesia intensa no espaço: "(…) o autor que usa exclusivamente palavras escritas não tem o que fazer e deve ceder o lugar a especialistas dessa bruxaria objetiva e animada". Poesia xamânica que desemboca nos Taraumaras e no Oriente.

Ludwig Zeller (collage)Dançarinos japoneses do Butoh vão enveredar por caminhos bem próximos da poética de Artaud. Como afirma Tatsumi Hijikata, um dos principais criadores da dança moderna japonesa: "As origens do Butoh estão em uma terra selvagem habitada por espíritos elementares que a mente racional não pode alcançar." Elaborado por Hijikata, o termo era Ankoku Butoh. Ankoku: trevas, obscuridade; Bu: idéia de evocação das danças xamânicas, o vapor do transe que exala o movimento vibratório, a entrada no sobrenatural; Toh: ato de pisotear e golpear a terra, abalar e sacudir o mundo, atraindo para si as forças da terra, convergindo sob as plantas dos pés. A evocação dos saberes obscuros à razão, a aliança com as forças da terra, o transe, o rito são elos que reforçam os laços entre os indígenas mexicanos, o teatro artaudiano e a dança japonesa.

Nos anos 60, ainda com as cicatrizes abertas pela derrota na guerra, os artistas japoneses vão repensar a sabedoria da tradição. Leram os autores malditos do ocidente, Sade, Jean Genet, Lautréamont, inspiravam-se no Dadá, no Surrealismo, no expressionismo alemão, buscando pensar o impensável e expressar o que não tem expressão. As aproximações entre escritores considerados malditos e as idéias da dança Butoh resultaram em encenações. Em 1984, Hijikata coreografou para Min Tanaka Ren-ai Butoh-ha Teiso: Foundation of Dance of Love, ao som da peça radiofônica Para acabar de vez com o juízo de Deus, escrita por Artaud, que inclusive alude aos Taraumaras em determinadas partes do texto. Em 1960, foi encenada Notre-Dame des Fleurs, de Jean Genet.

Assim, como Artaud vê nos Taraumaras um povo cuja terra "(…) está cheia de sinais, formas, efígies da Natureza que de forma alguma parecem nascidos do acaso (…)", a dança Butoh é repleta de signos, mitos e metáforas. Hijikata preocupava-se com movimentos que brotassem naturalmente do corpo. Não a mímica exata da flor ou do vento, mas, antes, que emergissem diretamente do corpo, não pedindo licença para nascer, para vir à superfície. Assim ensinava outro mestre do Butoh, Kazuo Ohno. O corpo da galinha decapitada que salta e se debate mesmo após a morte; músculos tensos em espasmos de expressão. Eis um gesto que grita em silêncio, que sopra pelos poros do corpo a idéia da dança Butoh. Mais do que técnica, o risco e o improviso.

A Androginia

Kazuo OhnoÉ possível imaginar a androginia como um outro ponto de confluência entre o teatro de Artaud e a dança Butoh. As polaridades, as oposições, os contrários reúnem-se num só corpo. A força centrípeta que age no interior do corpo que dança – embaralhando as polaridades – faz explodir a arte em movimento. Ambigüidade que se multiplica em esgares, numa miríade expressiva. Poeta-dançarino cuja paisagem interior escorre por fora do corpo.

Kazuo Ohno explora as faces do ambíguo, fazendo com que os disparates se reconheçam. A idéia de despolarizar-se está no centro da estética do Butoh, vivido por Ohno, como comenta a pesquisadora Maura Baiocchi: "(…) Suas ‘self-personagens’ são atemporais e despolarizadas. Sintetizam de uma só vez a criança e o velho, o elemento masculino e o feminino, a treva e a luz, dor e prazer, o feio e o belo, vida e morte". Só através dessa ligação de idéias antípodas é que se torna possível adentrar na pluralidade dos sentidos, exercício do "sair-de-si". O corpo sensorial pode então embrenhar-se no oculto e perder a identidade nas múltiplas possibilidades que excitam a própria idéia de loucura. Neutro ativo numa fuga de si mesmo, o mais longe possível do eu narcísico, pois a cada salto nômade despersonaliza-se e deixa para trás mais um pedaço de auto-reconhecimento. Estratégia andrógina, a unidade-plural explode em unívoco. Testículo e Ovário, Androceu e Gineceu se auto-fecundam, engravidando o próprio corpo de gesto artístico, de estética imprecisa.

Forças opostas chocam-se numa unidade também na obra de Artaud, mais claramente em três de seus escritos. Primeiro em Heliogábalo, livro em que ele narra a história de um imperador de origem síria que rompe com os costumes de Roma. Heliogábalo introduziu o culto monoteísta de Elagabalus, o deus-Sol que elimina as contradições. Homem e Mulher estão reunidos neste imperador adolescente que, através da anarquia, lança sua poesia desconexa na moralidade romana.

Ludwig Zeller (collage)Já no texto "Um atletismo afetivo", de O Teatro e seu Duplo, Artaud baseia-se em teorias da Cabala para elaborar uma técnica de respiração dividida em seis modalidades. Os princípios utilizados são o Macho (Expansivo-Positivo), a Fêmea (Atrativo-Negativo) e o Andrógino (Equilibrado-Neutro). Através da combinação e treinamento dessas formas de respiração, penetrar-se-á no sentimento, alimentando a vida com um atletismo do corpo e da alma. Combinação simultânea entre o vigor transpirante do Atleta e a força implosiva do Ator, músculo do espírito, coração que pulsa em atividade. Nos Taraumaras, a androginia é entendida como energia no interior de sua raça. O equilíbrio Macho/Fêmea da Natureza na filosofia taraumara é simbolizada nas faixas de cor branca (masculino) e vermelha (feminino). Ora usam uma cor, ora outra, significando o equilíbrio dessas duas forças opostas.

A identidade é apenas momentânea nesse lançar-se no abismo da multiplicidade que reside no ser. O florescimento da arte faz-se no acirramento das contradições suportadas no corpo e no espírito, na diluição da fronteira que impede o contato direto entre dois extremos. Diluição das fronteiras, não dos opostos, extinguindo-se na unidade. Pois a ambigüidade conserva, num só corpo, a permanência da guerra plural. Neste sentido, não há uma síntese pacífica de um conflito gerado, mas sim um equilíbrio-desequilibrante que incita o corpo a tornar-se a própria dança espontânea. Terra e água, contrários se chocam e vertem a lama devorada pela raiz hermafrodita do peiote. É o Barro onde nasce a dança de Hijikata e onde os Taraumaras afundam os calcanhares com vigor.

Encontro de duas naturezas, portanto, a androginia despolariza-se na singularidade, ao mesmo tempo que mantém suas facetas divergentes. Aspecto ambíguo que agride a intenção de territorializar, pois flutua insondável. Neutro que não é inativo, mas força que afirma, que escapa às definições através do anonimato e transgride os limites dos contrários. Corpo andrógino que dança e blasfema.

Veredas sem rastros do rompimento da linguagem através dos movimentos do poeta-dançarino. A experimentação e o exercício alquímico de uma expressão ativa, ardente e xamânica em Artaud, passa pelo "corpo-morto" do Butoh. Vida e Morte alimentam-se mutuamente, modelando a argila que dá forma ao gesto.

José Carlos Araújo Jr. (Paraná, 1980). Responsável pela montagem da peça radiofônica Para acabar de vez com o juízo de Deus, de Antonin Artaud, veiculada à Rádio Universidade FM (UEL, Londrina), uma realização do grupo Íncubo Súcubo. Contato: zlaba@onda.com.br. Página ilustrada com obras do artista Ludwig Zeller (Chile).

 

Texto copiado do site: http://www.revista.agulha.nom.br/ag18araujo.htm