AS METÁFORAS DANÇADAS
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Dança, metáfora, ciências cognitivas
Relacionar a dança e as ciências cognitivas foi a estratégia utilizada para a pesquisa de mestrado intitulada: “Embodied, um espetáculo de metáforas dançadas”, defendida em novembro/2005, junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A Embodied Cognitive Science foi aplicada como fundamentação teórica, sobretudo no que se refere ao estudo das metáforas, abordado por George Lakoff e Mark Johnson nas publicações de 1999(Philosophy in the Flesh-The Embodied Mind its Challenge to Western Thought) e 2002 (Metáforas da vida cotidiana). As hipóteses filosóficas apontadas pelos autores Lakoff e Johnson propõem a mudança paradigmática sobre a natureza da razão, afirmam o conceito de pensamento metafórico, a incorporação da mente
(embodied mind), e indicam, ainda, que o pensamento, assim como as ações, decorrem do sistema sensoriomotor, porém se manifestam de maneiras diferentes. Assim, a cognição é o espaço onde o corpo, o ambiente e o cérebro estão acoplados densamente, e a metáfora tornase uma importante ferramenta cognitiva.
Os autores sugerem, nas publicações de 1999 e 2002, que a razão é o fundamento ou causa justificativa de uma ação, atitude ou ponto de vista; que é a crença filosófica que define as características humanas (LAKOFF E JOHNSON, 1999:4). Então, uma mudança na visão de
razão significa uma alteração na crença filosófica e nos parâmetros referenciais de observação e pesquisa de um objeto, qual seja, artística, científica ou outra.
Desta maneira, os autores identificam uma mudança radical sobre o que é razão, sua natureza e como ela opera, e sugerem três pressupostos que afetam aspectos centrais da tradicional filosofia ocidental1: o conceito embodied mind (mente incorporada), o pensamento metafórico e o subconsciente cognitivo.
O conceito embodied mind afirma que as ações de raciocinar, perceber e executar funções corporais encontram-se densamente interconectadas em nosso cérebro. Isto leva a acreditar que muito da inferência conceitual é inferência sensoriomotora. E assegura, ainda, que razão não é completamente consciente; não é puramente literal, mas largamente metafórica e imaginativa; e também não é impassional, mas engajada emocionalmente.
O conceito de pensamento metafórico propõe que metáforas são inferências relativas ao fenômeno sensorial e à atividade motora em concomitância, decorrentes da ativação de conexões neurais, nas quais se estruturam os conceitos de experiências e julgamentos subjetivos.
Assim, pode-se pensar que metáforas não são simples formas de articulação de palavras, mas estratégias de pensamento e ação. Divergindo da idéia que ainda prevalece, porém, é anacrônica e localiza a metáfora apenas como um ornamento lingüístico destituído de importante valor cognitivo.
Uma manifestação de dança já é possuidora de conceitos estéticos e, nesta perspectiva, de valores políticos. Referenciais filosóficos, estéticos e políticos estão ordenados e conectados como uma malha conceitual que intercambia informações e, a partir desta permuta, criamse
e recriam-se formas e significados. Na dança, metáforas podem se estabelecer e vir a atuar nas ações de movimentos durante um espetáculo, pois se estruturam nos conceitos de experiências e julgamentos subjetivos dos intérpretes. Observa- se que os dançarinos podem sugerir metáforas como estratégias de pensamento e ação e que os mesmos parecem atuar como agentes metafóricos que compreendem e experimentam uma coisa em relação à outra.
Segundo Lakoff e Johnson, a razão é fundamentalmente embodied e esse é o achado das ciências cognitivas, do qual se destaca um aspecto: articula que é a razão tramada com os corpos e peculiaridades do cérebro, e que esses resultados dizem que os corpos, os cérebros e as interações com o ambiente provêm da mais inconsciente base da metafísica diária, que é o senso do que é real. O senso do que é real começa nas dependências cruciais entre o corpo, especialmente o aparato sensoriomotor, o qual permite ao corpo perceber, mover e manipular, e nas estruturas detalhadas dos cérebros, as quais teriam sido formatadas em ambas evoluções e experiências.
Uma vez que o corpo apreendeu uma informação, tem-se a necessidade de categorizar e organizar as informações. Tais categorias seriam, então, formadas pelo nosso embodiement. Para os autores, a formação e uso das categorias são a essência da experiência. Os corpos e cérebros estão constantemente engajando informações e categorizandoas.
A nova que chega aos neurônios do cérebro é distribuída no corpo em rede, e a rede perceptiva fornece a informação ao corpo. Desta maneira, entende-se que os pensamentos passam pela motricidade, assim como a noção de amor ou as noções abstratas.
Percebe-se, portanto, que a metáfora envolve a compreensão de um domínio da experiência, e pode ser entendida como um mapeamento.
Os autores entendem que “nenhuma metáfora pode ser compreendida ou até mesmo representada de forma adequada, independentemente de sua base experiencial” (L&J: 2002,68).
Pode-se sugerir que um dançarino, ao experimentar a qualidade de um objeto, ou uma manifestação da natureza, como o vento ou a água, ou um estado moral, ou outra qualidade que lhe interesse no movimento, em seu corpo, ele está investigando um conceito metafórico, uma vez que se entende que “a metáfora não é uma questão apenas de linguagem, mas de pensamento e razão” (LAKOFF E JOHNSON, 2002:25).
Em uma dança, um leitmotiv é o motivo condutor, é a idéia sobre a qual se insiste com freqüência, a repetição de determinado tema que envolve uma significação especial naquela dança. Já a idéia de experimentar uma qualidade de movimento no corpo e dançar a experiência de tal conceito, explorando as possibilidades de movimentos, observando como o corpo se comporta ao executar esta proposta, não seria um leitmotiv, o tema que se repete, mas uma idéia que está lá, no corpo. Uma metáfora experimentada no corpo.
Pode-se pensar, então, que uma metáfora estrutura um conceito, ou pelo menos é material indispensável para isso. Assim, concorda-se que pensamento não é algo puramente objetivo e definido pelo mundo externo, mas que o modo como se pensa está inseparavelmente ligado ao modo como o corpo se orienta e atua no mundo.
Os autores utilizam o exemplo de uma corrida, que existe no tempo e no espaço e é bem demarcada. Ao seguir esta linha de raciocínio, ajustando-a para um espetáculo, constata-se que este também existe no tempo e no espaço, e pode ser visto como um recipiente, pois contém objetos (os participantes), é um evento que começa e acaba (início e fim são objetos metafóricos), e possui uma atividade inserida, que pode incluir dança, atuação, performance, qual seja, uma substância metafórica contida no recipiente. Um espetáculo é um recipiente, capaz de comportar outras metáforas.
É importante ressaltar que um recipiente é aqui sugerido como o ponto de convergência de uma atividade, passível de trocas de informações entre seus componentes e com o ambiente. O recipiente é compreendido como o lugar para onde correm informações vindas de vários pontos, o receptáculo que agrega o conjunto das partes de um todo, que coordenados entre si funcionam como uma estrutura organizada e trocam informações, experiências e habilidades com o exterior, o “lado de fora”, ou seja, o ambiente. Sendo uma corrida ou um espetáculo este recipiente, ele apresenta o estado de fase em que se encontra aquele sistema, que pode compreender séries ou ciclos de modificações em qualquer estágio ou etapa de sua evolução.
O presente trabalho procurou investigar algumas possíveis relações entre este novo paradigma chamado de embodied cognitive science e o objeto artístico, buscando o entendimento de como ocorre a interação entre tais conceitos e a dança, examinando possibilidades de relações entre os conhecimentos artísticos e científicos por acreditar serem sutis as interfaces entre estas duas áreas de conhecimento. Assumindo o pressuposto no qual corpo/mente são vistos como contínuo, em que se pode compreender o mundo por meio de metáforas construídas com base nas experiências corporais, e tendo o conceito de metáfora como um mecanismo fundamental para a compreensão das experiências artísticas.
Nota
1 Uma longa tradição em filosofia afirmou com segurança que a mente deveria ser uma entidade não corporal, constituída como uma substância mental. Esta tese compõe a base do pensamento filosófico ocidental e é conhecida como dualismo cartesiano. Cartesiano por ter sido proposta por René Descartes, e dualista por propor duas substâncias para explicar os eventos no mundo: a mental e a física/ material.
Bibliografia
DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. São Paulo: UNESP,1995.
JOHNSON, Mark. Embodied Reason. In Weiss & Haber (orgs) Perspectives on Embodiment – The Intersections of nature and culture. New York: Routledge, 1999, 79-102.
LAKOFF, George. JOHNSON, Mark. Philosophy in the Flesh – The Embodied Mind and its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books, 1999.
LAKOFF, George. JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: EDUC, 2002.
QUEIROZ, João. Considerations on Lakoff & Johnson approach to embodied cognitive science – Philosophy in the Flesh: Embodied Mind and it’s Challenge to Western Thought. 2001. Galáxia 1:1, 227-230. (In: Brain & Mind: Eletronic Journal of Neuroscience). Disponível on line em http:// www.epub.org.br/cm/home_i.htm. Acessado em 2004.)
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