O solo "Vozes do outono" foi aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura pelo Edital 265-10 de Pesquisa em Dança da Casa Hoffmann Centro de Estudo de Movimentos em 2011 pela Fundação Cultural de Curitiba. A estreia aconteceu no dia 27 de setembro de 2011 no evento DANCON Liga Cultural de Dança em Belo Horizonte.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Processo 012

No laboratório corporal dessa semana trabalhei:

  1. Movimentação do Bicho: Tentei entender como nasce as necessidades, como o corpo organiza e desenvolve esses movimentos. Surgiu nova qualidade de movimento, algo impulsionado pela mesquinhez humana. Quero revisitar esse estado.
  2. Tentei investir na idéia da “Insatisfação”, foi difícil, pois o corpo não correspondeu. Nesta questão: fiquei no limbo novamente.
  3. Amarrei os meus dois braços e improvisei. Achei que não foi convincente.
  4. Dancei com uma mão imobilizando a outra. Mas não tinha lógica eu mesmo segurar a outra mão…
  5. Coloquei uma folha de papel no meio dos punhos, imaginei que essa folha fosse algo importante e que não poderia deixar cair.
  6. Fiquei de pé e experimentei de relaxar os músculos dos braços, mas continuando com os punhos juntos (sem o papel). Brinquei com o peso, desequilíbrio e suspensão dos braços, como se eu não tivesse total controle dos meus braços, fiquei perambulando pela sala desse jeito.

Ontem a noite, no tubo central, imaginei algo bem simples: dançar com palmas das mãos juntos, segurando areia. Investiria na qualidade do movimento do item 6 acima. Ninguém saberia o que faz eu perambular e não soltar as mãos. No final, poderia soltar as mãos e cair sobre mim um punhado de areia. Imaginei essa porção de areia caindo no chão repleto de areia – na sala inteira. Gostei dessa idéia e recordo que tinha movimentação interessante no item 6 acima. Tentarei investir na pesquisa corporal disso no próximo laboratório.

Técnica: Axis Syllabus Demonstrational Film

Adorei a qualidade de  movimentos.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Inferno, o Céu e a Terra são realidades uníssonas nesse momento.

Se a nossa busca é o Uno, às vezes questiono se o passado e o futuro já não se encontram aqui? Ontem li um texto que fala: evocar o passado e vislumbrar o futuro no presente. Lindo demais!

Também tenho sentido, se tudo se unifica, isso quer dizer que o Inferno, o Céu e a Terra são realidades uníssonas nesse momento. E é verdade, tudo está conectado num lugar onde não há medida, tempo e espaço. Contudo, no fundo da alma, gosto de ter medida, tempo e espaço. Adoro ser gente.

Talvez o livre arbítrio é a capacidade de escolha dentro dessas realidades que coexistem nesse universo (uno ao verso).

domingo, 26 de junho de 2011

CORPO CÊNICO, ESTADO CÊNICO - por Eleonora Fabião

ATENÇÃO: texto abaixo retirado do site: http://www6.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/2256 A cópia aqui é somente para que eu possa revisitar o texto nos momentos de pesquisa.

Costumo escrever notas antes do treino, pensamentos para trabalhar na sala de ensaio.
Então, suo essas ideias e novas anotações surgem. Acontece também de maturar experiências de espetáculo escrevendo. Outras vezes, a escrita deriva das leituras como outra etapa da pesquisa.
Gosto igualmente de conversar com meus pares, de entrevistá-los, de perguntar-lhes o que me pergunto, de saber o que eles se perguntam. E, em alguns momentos, simplesmente preciso da palavra escrita, preciso esculpir massa verbal para seguir investigando. Selecionei e elaborei algumas notas – aqui proponho uma reflexão sobre corpo cênico e estado cênico.

*

Imagino a praia às nove da manhã. Maresia, azul e luz. Lembro da sensação da correnteza repuxando as pernas e os passos, do impacto firme da primeira onda e chuá.

Mergulho: água fria no couro cabeludo quente.

Submersa: que passem por mim ondas de ondas, fluxos e refl uxos do tempo.

Olho em volta: a firmeza da paisagem apesar do mar, do vento e do pássaro: a vertigem do fixo-móvel.

Já fora d’água: o corpo distendido no espaço.

A praia se foi com uma onda e eu fi quei na sala – salgada.

Imaginar transforma a matéria.

Rememorar transforma a matéria.

O corpo cênico experimenta espaço e tempo potencializados e, também, o corpo cênico potencializa tempo e espaço.O corpo da cena investiga temporalidade e espacialidade, inventa minutagens e métricas, ocupa dimensões simultâneas do real. O nexo do corpo cênico é o fluxo. O passageiro, o instantâneo, o imediato – rajada, revoada, jato. Nascendo e morrendo; nascendomorrendo. O corpo fluido e fluidificante é a matriz espaço-temporal da cena.

Em Beyond boredom and anxiety – estudo sociológico sobre a experiência do fluir que reúne depoimentos de alpinistas, dançarinos, compositores, jogadores de basquete, enxadristas, cirurgiões e professores – Mihaly Csikszentmihalyi diz: “Em estado de fluxo, ações sucedem-se de acordo com uma lógica interna que parece dispensar intervenções conscientes do agente. O agente experimenta a ação como um fluxo contínuo de momentos em que exerce controle absoluto da situação e no qual há apenas uma pequena distinção entre self e meio, entre estímulo e resposta, entre passado, presente e futuro.” (2) De acordo com o autor, o estado de fluidez é um estado alterado de consciência, ou seja, um comportamento fora dos padrões cotidianos de conduta, provocado pela realização de uma ação que envolve o agente de forma total. Aqui, “controlar a situação” é lançar-se com precisão. O autor contrapõe a ações automatizadas, dispersas e desatentas ao mundo, relações des-automatizadas, íntegras e engajadas de perceber, gerir e gerar o real.

O fluxo abre uma dimensão temporal: o presente do presente. A capacidade de conhecer e habitar este presente dobrado determina a presença do ator. Perder-se nos arredores do instante – na ansiedade do futuro do presente ou na dispersão do passado do presente – faz com que o agente se ausente de sua presença. A qualidade de presença do ator está associada à sua capacidade de encarnar o presente do presente, tempo da atenção. O passado será evocado ou o futuro vislumbrado como formas do presente.

O corpo cênico está cuidadosamente atento a si, ao outro, ao meio; é o corpo da sensorialidade aberta e conectiva. A atenção permite que o macro e o mínimo, grandezas que geralmente escapam na lida quotidiana, possam ser adentradas e exploradas. Essa operação psicofísica, ética e poética desconstrói hábitos. Atentar para a pressão e o peso das roupas que se veste, para o outro lado, para as sombras e os reflexos, para o gosto da língua e o cheiro do ar, para o jeito como ele move as mãos, atentar para um pensamento que ocorre quando rodando a chave ao sair de casa, para o espírito das cores. A atenção é uma forma de conexão sensorial e perceptiva, uma via de expansão psicofísica sem dispersão, uma  forma de conhecimento. A atenção torna-se assim uma pré-condição da ação cênica; uma espécie de estado de alerta distensionado ou tensão relaxada que se experimenta quando os pés estão firmes no chão, enraizados de tal modo que o corpo pode expandir-se ao extremo sem se esvair.

No palco não há imunidade. O olhar é palpação, o movimento ação, e ser, relação. Ação ecoa, voz preenche; o corpo sempre interage com algo, mesmo que seja o vazio. Ou, ainda, no palco, vazio não há, pois que se tira tudo e resta latência. Vazio cênico é latência – no palco o nada aparece, silêncio se escuta. E você imerso nesse campo de forças, nesse sistema nervoso, nessa massa de rastros passados e futuros, presenças passadas e futuras. E você experimentando a textura desse vazio-pleno, incorporando e esculpindo essa latência. E rememorar e imaginar e evocar e inventar e atentar para corpos que contigo se comunicam, que através de ti se comunicam. O teu corpo, esse palco. O corpo, esse palco fluido.

A conexão atenta consigo mesmo, com o outro e com o meio, transforma o que seria uma sucessão linear de eventos em ações-reações imediatas. A temporalidade do fluxo desconstrói as etapas do processo expressivo, digo, dilui o minúsculo espaço de tempo entre pensar e agir, entre estímulo e resposta, entre sentir e emitir. Quando em fluxo, o ator não expressa um estado, ele vibra em estado. Aqui, o corpo não é um sólido perspectivado, mas uma membrana vibrátil – à profundidade contrapõe-se densidade planar, à solidez contrapõe-se vibratilidade, à dicotomia dentro/fora contrapõe-se o entrelaçamento dentro-fora. Ou, como sugere Suely Rolnik ao pensar os objetos sensoriais e relacionais de Lygia Clark, “o corpo vibrátil é aquilo que em nós é ao mesmo tempo dentro e fora, o dentro sendo nada mais do que uma combinação fugaz do fora.”(3)

O corpo é sólido, pastoso, gelatinoso, fibroso, gasoso, elétrico, líquido. O corpo acontece em densidades cambiantes. Estamos permanentemente vibrando, uma vibração mínima. O adjetivo “vibrátil” nomeia não apenas essa condição de combinarmos e cambiarmos densidades permanentemente, mas também um tremular contínuo, a oscilação entre ser e não ser, entre vida e morte, entre arbítrio e determinismo que encarnamos. A cena exacerba a condição vibrátil do corpo. Porque hiper-atento, o corpo cênico torna-se radicalmente permeável. Contra a ideia de corpos autônomos, rígidos e acabados, o corpo cênico se (in)define como campo e cambiante. Contra a noção de identidades definidas e definitivas, o corpo-campo é performativo, dialógico, provisório. Contra a certeza das formas inteiras e fechadas, o corpo cênico dá a ver “corpo” como sistema relacional em estado de geração permanente. O estado cênico acentua a condição metamórfica que define a participação do corpo no mundo. A cena mostra, amplifica e acelera metamorfose, pois intensifica a fricção entre corpos, entre corpo e mundo, entre mundos.

O corpo vibrátil é o corpo do “entrelaçamento.”(4) O corpo cênico conhece e se dá a conhecer por entrelaçamento. O espectador não é vidente e eu visível; somos ambos videntes e visíveis, tateadores e táteis, atores e espectadores. Vista do palco, a plateia é um espetáculo de estranha beleza. O entrelaçamento é a condição que todo participante do evento teatral tem de, simultaneamente, ver e ser visto – ver-se vendo, ver-se sendo visto, ser visto vendo, ser visto vendo-se.

Daqui, vejo o palco como o mundo percebido e criado por Merleau-Ponty, esse espaço do estar em permanente vir-a-ser por ser-no-mundo, esse mundo de afinidades com a “carne.” No palco, assim como na filosofia de Merleau-Ponty, o sujeito não possui um corpo, mas é corpo; o mundo não é ocupado pelo corpo, é uma de suas dimensões. O filósofo pergunta: “Onde estamos, onde nos posicionamos, para estabelecer um limite entre o corpo e o mundo já que o mundo é carne?”(5) E entrelaça: “Em vez de rivalizar com a espessura do mundo, a espessura do meu corpo é, ao contrário, o único meio que possuo para chegar ao âmago das coisas, fazendo-me mundo e fazendo-as carne.”(6) Reciprocidade, essa é a energética fenomenológica. “A carne não é matéria, não é espírito, não é substância. […] A carne é um elemento do Ser.”(7) Conectividade, essa é a potência da “carne.” O corpo não é receptáculo ou recipiente, anuncia Merleau-Ponty, mas “tecido conectivo;” o mundo não é receptáculo ou recipiente, mas tecido conectivo. O palco, matriz de conectividade, é corpo, é mundo, é mundo-corpo e corpo-mundo.

PALCO, MAR, ESCRITA, CORPO, SAL E MUNDO: MODOS E MOMENTOS DA CARNE

Neste contexto conectivo, “ação cênica” não nomeia exclusivamente a ação que ocorre em cena. Ou, ainda, a cena conectiva não se restringe ao que acontece no palco, mas inclui o drama da sala. A atividade do ator não é autônoma, mas relativa; o ator é relativo ao espectador por reciprocidade e complementaridade. Em termos dramatúrgicos, a relação entre aquele que atua e aquele que assiste é tão significativa quanto a relação entre Hamlet e Ofélia, ou entre ator e atriz. Se a cena for, de fato, o espaço conectivo entre aqueles que veem e se sabem vistos, um sistema de convergências, a ação cênica acontece fora do palco, entre palco e plateia, fora dos corpos, no atrito das presenças. A cena, portanto, não se dá “em”, mas “entre,” ela funda um entre-lugar. Ação cênica é co-labor-ação. Neste sentido, a famigerada “presença do ator,” longe de ser uma forma de aparição impactante e condensada, corresponde à capacidade do atuante de criar sistemas relacionais fluidos, corresponde a sua habilidade de gerar e habitar os entrelugares da presença.

Um “corpo” pode ser visível ou invisível, animado ou inanimado, cadeira ou gente, luz, ideia, texto ou voz. Um corpo é sempre uma multidão de relações e, como tal, está permanentemente deflagrando relações. Corpo em relação com corpo forma corpo. O entre-lugar da presença é no nosso corpo o que não está em nós.

Para ativar circuitos relacionais, o ator deve trabalhar tanto no sentido de aguçar sua criatividade como sua receptividade. Geralmente a criatividade é privilegiada em detrimento da receptividade, a força criativa em detrimento do poder receptivo. Estamos mais habituados a agir do que a distensionar, a ponto de sermos agidos; somos treinados para criar e executar movimento, não para ressoar impulso; geralmente sabemos ordenar e dar ordens ao corpo mais e melhor do que sabemos nos abrir e escutar. A busca por um corpo conectivo, atento e presente é justamente a busca por um corpo receptivo. A receptividade é essencial para que o ator possa incorporar factualmente e não apenas intelectualmente a presença do outro.

Outro entrelaçamento que o corpo cênico investiga é a trama memória-imaginação-atualidade – o fato de que circulamos e entrelaçamos ininterruptamente referências mnemônicas, imaginárias e perceptivas. O que o corpo cênico explora, para além da dicotomia ingênua que contrapõe ficção e realidade, é a indissociabilidade entre essas três forças. Como o corpo cênico experimenta, imaginar implica memória, rememorar implica imaginação e ambos os movimentos se realizam na atualidade fenomenológica do fato cênico. Além disso, ator é criatura capaz de realizar insólitas operações psicofísicas como, por exemplo, transformar memória em atualidade, imaginação em atualidade, memória em imaginação, imaginação em memória, atualidade em imaginação, atualidade em memória. É sua alta vibratilidade e sua fluidez que permitem essas operações psicofísicas. É sua inteligência psicofísica que abre dimensões para além da dicotomia ficção x realidade.

Ainda sobre as capacidades, as propriedades, as especificidades e as dramaturgias do corpo: é preciso investigar a psicofisicalidade que constitui e funda toda e qualquer ação; dissecar a “ação física,” escová-la a contrapô-la, desconstruí-la. Seguir o que Yoshi Oida propõe, quando afirma “que atuar não é apenas emoção, ou movimento, ou ações que comumente reconhecemos como ‘atuação’. Atuar envolve também um nível fundamental: o das sensações básicas do corpo.”(8) Pois ando parada neste “nível fundamental,” investigando sensibilidade e sensação, investigando o que passei a chamar de nervura da ação. Nervura da ação: a corporeidade da ação, pois percebo três elementos que inervam minhas ações, sejam elas quais forem: postura, sensorialidade e conectividade. Esteja eu consciente ou não, fato é que minhas ações envolvem experiências posturais, sensoriais e conectivas. Proponho-me então a investigar separadamente cada uma das três nervuras, uma de cada vez; proponho-me a fingir que é possível desembaraçá-las e, assim, graças a um acréscimo de consciência sensível, potencializar minha conduta em cena.

Proposta 1: investigar as sensações posturais conforme sugerido pelo mestre Yoshi Oida – através do desenvolvimento da escuta do corpo; através da sensação de macro a micro alongamentos, torções, pressões, relaxamentos e transferências de peso; através de variações em eixos básicos: céu e terra (cima-baixo), oriente e ocidente (esquerda-direita) e passado e futuro (frente-trás); experimentar sensações posturais através de um diálogo atento com a força da gravidade.

Proposta 2: ativar e ampliar sensorialidade – investir nas relações mais elementares de percepção e interação consigo mesmo, com o meio e com o outro através dos cinco sentidos: tato, audição, olfato, paladar e visão. Tratar de aguçar e expandir capacidades sensoriais culturalmente domesticadas e atrofiadas pelo uso banal.

Proposta 3: acelerar conectividade – acirrar os entrelaçamentos corpo-espaço, corpotempo, corpo-história, corpo-matéria, corpo-ideia, corpo-palavra, corpo-objeto, corpo-conceito, partes-do-corpo, corpos-uns-com-os-outros-e-uns-nos-outros... através de experimentações psicofísicas múltiplas. Tratar das intercorporeidades e dos entre-lugares da presença. Através de acréscimo de sensibilidade sensorial e postural, circular interioridades e exterioridades com mais argúcia e consistência.

Três tarefas cotidianas para a potencialização do corpo cênico. Um corpo cênico porque desautomatiza mecânicas perceptivas, cognitivas e comportamentais; um corpo cênico porque investiga as dramaturgias do corpo e a nervura da ação; um corpo cênico porque em estado de experiência e experimentação.

SOBRE A “NERVURA”

Na biologia, “nervura” se refere aos filamentos compostos por feixes de fibras que transportam os impulsos dos órgãos sensoriais ao sistema nervoso central e vice-versa, possibilitando movimento e sensibilidade. Na botânica, a palavra “nervura” quer dizer filamento ou veio de folhas e pétalas por onde é transportada a seiva. Na zoologia, “nervura” se refere ao tubo córneo que, ramificado, sustenta a membrana das asas dos insetos. Na tipografia, “nervura” se refere à saliência transversal das lombadas dos livros encadernados. E, na arquitetura, “nervura” é o termo que designa a linha ou a moldura saliente que separa as arestas de uma abóbada, os lados das ranhuras ou os ângulos das pedras. A “nervura da ação” é, portanto, por definição gramatical, uma questão vegetal,
animal, mineral, arquitetônica, gráfica, que envolve voo, suporte, transparência, curvatura, ângulo, moldura, ranhura, saliência, lombada, movimento, seiva, pétalas, veias, asas, órgãos, filamentos, córneas, membranas, sensibilidade, flores, fibras e livros. Ou, ainda, a “nervura da ação” é uma questão de misturas, de combinações minerais, vegetais e animais através de ações humanas em busca de compreensões corporais outras, de invenções psicofísicas muitas. A nervura diz respeito ao que há de seiva nas saliências transversais dos livros de arquitetura encadernados com pétalas de flores; a nervura diz respeito ao ângulo da pedra em que pousa um livro e suas asas vegetais; diz respeito à natureza córnea, transparente e aquosa das molduras cerebrais; ao feixe de fibras
que transporta os impulsos das saliências através do nosso órgão tubular central; diz respeito às ranhuras das abóbadas sensoriais onde moram anjos e insetos; diz respeito aos movimentos sensíveis das folhas em dias de sol; a nervura diz respeito aos movimentos sensíveis das gentes diante de folhas flutuando, asas caindo e páginas amarelecendo e diz respeito, finalmente, às dobraduras e aos desdobramentos das palavras.

Fico de pé e imóvel – apenas esforço e tensão necessários para manter-me de pé e imóvel. Já sorrio; não há imobilidade possível. Parada, me movo em direção à imobilidade. De pé, dançada pela dança mínima, pela nervura desta ação. A sala respirando, o mundo latejando a minha quietude relativa. Atenção nos pés. O contato dos pés com o chão, a zona de contato, superfície de interseção, ali, onde é pé e chão, onde o pé é chão e o chão, pé. Cézanne pintou a continuidade do objeto no espaço e as propriedades do espaço no objeto. Ser fiel àquilo de que somos feitos. E de que somos feitos? O horizonte: uma linha de céu e de terra. O corpo: um horizonte vertical. Corpos: horizontes tocáveis. Céu e terra: partes do corpo.

Quanto mais atenta estou, mais inapreensível se torna o instante. Imersa num momento infinito. Percepção é participação. Sou parte; logo, existo. Ou ainda: participar; logo, existir.

Conversei recentemente com cinco extraordinários artistas sobre estado cênico e corpo cênico.(9) Denise Stoklos é atriz, diretora, escritora e criadora do Teatro Essencial. Honora Fergusson e Fred Newman são atores do Mabou Mines Theater Company, grupo de teatro experimental americano fundado em  1969 e sediado na cidade de Nova Iorque. Alina Troiana é performer cubano-americana da cena underground nova iorquina que escreve, dirige e performa seus próprios textos, alguns deles relatos autobiográficos. Marina Salomon é dançarina e trabalha na Cia. Regina Miranda e Atores Bailarinos no Rio de Janeiro. Perguntei: Como você se sente quando está atuando? Sua percepção sensorial se altera? Como é a sua relação com objetos, espaço, tempo, movimento? O que é “estado
cênico”, de acordo com a sua experiência? E eles responderam:

“Durante os ensaios de alguns trabalhos específicos eu costumava ter a sensação de que iria sair de mim, como se eu fosse perder a consciência.” (Marina Salomon)

“Sempre penso que no palco você está em um nível diferente de consciência. Aliás ‘consciência’ nem é uma boa palavra.” (Denise Stoklos)

“Você fica muito exposto e vulnerável diante da audiência, e, na verdade, você não atua bem a não ser que esteja vulnerável. Se você perder a vulnerabilidade não será um bom ator.” (Honora Fergusson)

“Você tem que sair da sua caixa, dos seus preconceitos, sair fora da sua idéia imediata de civilização e cultura. Cada uma dessas coisas é uma espécie de caixa. […] Nós temos antenas; elas têm de estar expostas. Você tem que fazer com que essas antenas estejam vivas e vibrantes, estendidas no espaço.” (Fred Newman)

“A relação com o espaço – a maneira como o meu corpo se conecta com o espaço, como o espaço entra no meu corpo – me traz a sensação de uma prática espiritual.” (Marina Salomon)

“Eu digo que quando estou no palco estou fazendo as pessoas gozarem enquanto estou gozando.  Para mim acontece nesse nível de sexualidade. […] No palco você está absorvendo uma química louca que o seu corpo produz. É uma bomba! […] Quando eu digo ‘elevada’ quero dizer que eu sinto como se eu não tivesse corpo, quase isso. É uma experiência espiritual. […] Eu fico rápida e atenta. Posso ver e escutar muitas coisas ao mesmo tempo. Se eu tenho uma gripe, se estou menstruada, seja lá o que for, entro no palco e tudo isso desaparece! […] Sinto muito medo antes de entrar em cena.” (Alina Troiana)

“Energia é o que realmente comunica, o que vai para o público e volta: energia.” (Denise Stoklos)

“Gostaria de trazer pra minha vida diária a mesma qualidade de energia que atinjo no palco.” (Marina Salomon)

“Quando você está se arriscando, como supostamente acontece no teatro, você sente que está enfrentando riscos como mergulhadores enfrentam riscos. Há risco de vida espiritual, vida mental ou vida física.” (Fred Newman)

“Comunicação é sempre amor, não tem outro meio. E amor é sempre acompanhado por confi ança, confi ança de que o outro é capaz; porque o outro sou eu. Se o outro é capaz, eu também me torno capaz. Isto é o oposto de paternalismo, patriarcado, capitalismo. É a liberdade. Quando eu posso receber o outro, então estou comunicando; quando eu escuto o outro e sei que posso falar também. Estes momentos não acontecem todos os dias porque estamos inseridos em fortes estruturas de poder e opressão – estão ao nosso redor, por dentro, por toda parte. Vivemos num mundo que não quer que sejamos tocados porque se formos, nos tornaremos poderosos e capazes de mudar as coisas. Teatro político é portanto qualquer teatro voltado para esta noção básica de respeito aos seres humanos como iguais. E estar sempre em movimento porque nada está de fato completo e fi nalizado.” (Denise Stoklos)

O ator finge que finge
E este texto foi escrito para ser jogado no mar.

Eleonora Fabião


ELEONORA FABIÃO
Doutora em Estudos da Performance pela New York University.
Docente do Curso de Direção Teatral da UFRJ.
Escola de Comunicação
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Endereço
Av. Pasteur, 250
Praia Vermelha – Rio de Janeiro – RJ 
CEP: 22.290-240.

E-mail: ef383@nyu.edu

Artigo recebido em 08/07/2010 / Aprovado em 10/09/2010


Notas

(1) Uma primeira versão deste texto foi publicada na Revista Folhetim do Teatro do Pequeno Gesto (Funarte:

Rio de Janeiro, 2003). Para esta edição, o artigo foi revisado e ampliado.

(2) CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Beyond boredom and anxiety (San Francisco: Jossey-Bass, 1975), p. 36. Tradução da autora.

(3) ROLNIK, Suely. “Molding a contemporary soul: the empty-full of Lygia Clark” In: The experimental exercise of freedom (Los Angeles: Museum of Contemporary Art, 1999), p. 104. Tradução da autora.

(4) Maurice Merleau-Ponty desenvolve o conceito de “entrelaçamento” em “O entrelaçamento – o quiasma”

In: O visível e o invisível.

(5) MERLEAU-PONTY, Maurice. The visible and the invisible (Evanston: Northwestern University Press, 1992), p. 138. Tradução da autora.

(6) Ibid. p. 135.

(7) Ibid. p. 139.

(8) OIDA, Yoshi. O ator invisível (São Paulo: Beca Produções Culturais, 2001), p. 57.

(9) As entrevistas foram concedidas individualmente nos anos de 2001 e 2002. No caso de Denise Stoklos, a entrevista foi realizada durante o Terceiro Encontro do Hemispheric Institute of Performance and Politics em Lima, Peru (julho, 2002).

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Marcia Milhazes: Meu Prazer

Gosto da alegria contagiante… A música é linda também. Como consigo trazer essas sensações num ambiente mais sombrio? Fica o questionamento.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Paradoxo de sensações

Somente como registro de um paradoxo de percepção que me arrebatou assistindo a entrevista abaixo:

www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=0PEPPWNM0xY#at=13

Entrevista com Franck é um trecho do filme LOVE YOU LIVE Silvano Agosti. Este clip foi carregado para o YouTube pelo próprio autor decidiu que depois de muitos... pedidos para torná-lo público.
O AMOR ESTÁ VIVO documentário é uma pesquisa sobre o tema de ternura, sensualidade e amor realizado através de uma série de entrevistas com pessoas marginalizadas, na província de Parma.
Construído em 1982 este filme foi legendado em muitas línguas porque exigia um grande público, e ainda é um assunto de interesse para o seu valor sociológico e artístico. Claire Fontaine LOVE YOU LIVE inserido entre as obras que influenciaram seu trabalho em sua exposição de esculturas, filmes e escritos no Museu de Arte Contemporânea, em North Miami, teve lugar de 2 junho - 22 agosto de 2010.
O DVD LOVE YOU LIVE Silvano Agosti está na venda on-line: www.azzurroscipioni.com e as livrarias Feltrinelli.

Minha Vida - Charles Chaplin

“Reconheço que o tempo e as circunstâncias me têm favorecido. O mundo cumulou-me de afeições, inspirei amor e também ódio. Deu-me a vida o que havia de melhor e um pouco do pior. Quaisquer que tenham sido as minhas vicissitudes, creio que a ventura e a desventura são filhos do acaso, pairando como nuvens sobre nosso destino. Com essa compreensão, nunca me abalam demais as coisas ruins que me acontecem, ou sou agradavelmente surpreendido pelo que vem de bom. Não sigo um roteiro de existência, nenhuma filosofia... Sábios ou tolos, temos todos que batalhar com a vida. Oscilo em meio a contradições: exasperam-me às vezes fatos mínimos, e catástrofes poderão deixar-me indiferente. Contudo, a minha vida é hoje mais apaixonante do que nunca.” (Charles Chaplin)

P.S. Roubei essa postagem do blog da minha amiga Gigi, foi Ctrl C e Ctrl V. Rsss. Segue o blog dela, tem vários textos maneiros: http://longedaquiaquimesmo.blogspot.com/

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Processo 011

22 de junho de 2011, ontem e hoje tive orientação com a Olga e o Ailton respectivamente, mostrei a movimentação BICHO que tinha pesquisado um pouco – os dois gostaram.

Para a Olga mostrei também algo de gestos com mãos que recordei da pesquisa do espetáculo Lugares de Mim da desCompanhia de dança, no qual não foi utilizado.  Ela comentou que é visível a diferença entre as duas movimentações. A segunda movimentação, com os gestos das mãos, era bastante mental e perde a expressividade minha. Ela disse que é bom o lugar desconhecido, e que muitas vezes, nesse lugar, o sagrado pode ser vislumbrado. Falou que a movimentação do chão que fiz tinha algo interessante, algo além da técnica e que sugeriria eu investir nesse desconhecido. Bom, o nome bicho eu dei agora enquanto escrevo, mas quando apresentei essa movimentação para os orientadores ela ainda não tinha nome. Somente, quando os dois perguntaram o que impulsionava o movimento falei que uma das imagens marcantes era de um bicho. Mas tenho outras inspiração enquanto me movimento: transformação, pulsação, latência e iminência de explosão.

O Airton perguntou:  Qual a relação do Bicho com a minha temática? Sabia intuitivamente que me interessa, mas não tinha organizado em pensamentos. Entendi que queria falar sobre o instinto e o animal que todo ser humano possui: um bicho rastejante que existe no chão, num ambiente terreno e mundano. No meu solo, quero trazer questionamentos sobre a paz de espírito tocando no sagrado e no profano. Nesse aspecto, a paz de espírito para mim é uma  busca e escolha. O Bicho me interessa dentro dessa temática trazendo imagens que reflita O QUE FAZER COM O ANIMAL QUE TEMOS. Apesar disso tudo, não quero fechar nada sobre esse assunto, tenho inquietações e sei que outras questões vão se relacionando e construindo, desconstruindo e/ou transformando o bicho num ser humano.

Uma pergunta da Olga: - Que ambiente é esse do solo para mim? Qual a temperatura, iluminação, som e etc? Estou a pensar, apesar do momento ver algo mais próximo do denso e escuro. Penso também numa luz calorosa que não é ofuscante, uma iluminação afirmadora dessa vida mundana pactuada e coexistente com o escuro, mas que é maravilhosa. Dentro das minhas imagens recentes, seria algo parecida com as obras do Bandeira de Mello que vi na exposição Espaço Cultural da Caixa na semana passada. Pensando nisso tudo, chama a minha atenção as imagens contraditórias entre a dor e o riso; e em outro momento, imagens que emanem a alegria.

A Olga comentou algo como:  A técnica por si pode se aproximar ao atletismo, e isso é diferente de arte. Ela questionou em que momento existe a invenção ou a reinvenção da técnica? Penso eu: Talvez o artista criador verdadeiro evoca realmente o mistério, o sagrado, o que está além da técnica codificada. Assim, precisamos ousar e ir além do lugar seguro e desbravar, sinto que é nesse lugar que pode existir a expressão.  Mas não sei o que é e como evocar isso ainda. 

Uma palavra nova que aprendi por meio do Ailton: Inventário. Preciso evocar inventários. Partituras que precisam ser desenvolvidas, pelo menos um pouco, para que depois eu possa fazer escolhas. Acho que focarei no próximo laboratório no inventário da “Insatisfação” também. Uma imagem que veio dos movimentos socados junto com a insatisfação do mundo em volta, pela falta de ser compreendido, um momento que tenho vivido (na verdade busco ser politicamente correto e não exponho esse sentimento ao público, mas no fundo da alma, no laboratório corporal, sinto um lodo interno em mim). Interessa-me essa insatisfação no trabalho, pois ela fala sobre a relação do interno com o externo, eu em relação ao mundo, que é exatamente a clareza do meu papel nesse mundo nesse momento. Sei que nada é casual, assim, escrevendo esse relatório lembrei do meu texto que diz: “às vezes sinto que soluções que estão externas da gente são frágeis demais. Mas também percebo que aquilo que está fora da gente é prazeroso de descobertas e aprendizados. Talvez o segredo não seja o que está fora da gente, e sim, a relação que temos do interno para o externo. Porque as coisas externas morrem, eu morro. E o que pode ser renascido, reconfigurado são as relações.”

Não sublinhar as coisas demais, pois o público não é ingênuo. Tenho pensado a respeito disso em relação ao figurino imaginado. Receio que ele sublinhe demais. Acho que as simbologias que tenho pesquisado precisam ser reconfiguradas cenicamente e/ou servir de meio para evocar o sagrado enquanto eu danço – eles vão estar presente de qualquer forma comigo. Preciso pensar com calma a respeito disso. Creio que a prática vai me dando respostas. No momento decidi não fazer o figurino, preciso desenvolver mais inventários.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O que te move?

A realidade que te move, ou são os sonhos?

Miokuri

Estou no alto da montanha e junto vejo a Arca de Noé sendo construída. Mas percebo claramente que não é para eu estar nela fisicamente. Dou as costas e volto ao vale, divagarei por ela, mas sei que este é o meu caminho. Que venha o diluvio: Afinal, do lodo nasce o broto e as pétalas alvas e límpidas. Cada ser em seu devido lugar, pois existe unidade entre o lodo e a flor. Assim foi e assim sempre será. Estarei na Arca de qualquer maneira e com todos ao mesmo tempo.

sábado, 18 de junho de 2011

Notas sobre a experiência e o saber de experiência | Jorge Larrosa Bondía

Costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positivista e reificadora, o par teoria/prática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra "reflexão" e expressões como "reflexão crítica", "reflexão sobre a prática ou na prática", "reflexão emancipadora", etc. Se na primeira alternativa as pessoas que trabalham em educação são concebidas como sujeitos técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia as diversas tecnologias pedagógicas produzidas pelos cientistas, pelos técnicos e pelos especialistas, na segunda alternativa estas mesmas pessoas aparecem como sujeitos críticos que, armados de distintas estratégias reflexivas, se comprometem, com maior ou menor êxito, com práticas educativas concebidas na maioria das vezes sob uma perspectiva política. Tudo isso é suficientemente conhecido, posto que nas últimas décadas o campo pedagógico tem estado separado entre os chamados técnicos e os chamados críticos, entre os partidários da educação como ciência aplicada e os partidários da educação como praxis política, e não vou retomar a discussão.

O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir do par experiência e sentido. O que vou fazer a seguir é sugerir um certo significado para estas duas palavras em distintos contextos, e depois vocês me dirão como isto lhes soa. O que vou fazer é, simplesmente, explorar algumas palavras e tratar de compartilhá-las.

E isto a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidade e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente "raciocinar" ou "calcular" ou "argumentar", como nos têm sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que se nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido é algo que tem a ver com as palavras. E, portanto, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos. E o modo como agimos em relação a tudo isso. Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o homem como zôon lógon échon. A tradução desta expressão, porém, é muito mais "vivente dotado de palavra" do que "animal dotado de razão" ou "animal racional". Se há uma tradução que realmente trai, no pior sentido da palavra, é justamente essa de traduzir logos por ratio. E a transformação de zôon, vivente, em animal. O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo o humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio desse vivente, que é o homem, se dá na palavra e como palavra. Por isso atividades como considerar as palavras, criticar as palavras, eleger as palavras, cuidar das palavras, inventar palavras, jogar com as palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar palavras, etc. não são atividades ocas ou vazias, não são mero palavrório. Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos, e de como vemos ou sentimos o que nomeamos.

Nomear o que fazemos, em educação ou em qualquer outro lugar, como técnica aplicada, como praxis reflexiva ou como experiência dotada de sentido não é somente uma questão terminológica. As palavras com que nomeamos o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o que percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras. E, por isso, as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das palavras, pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras palavras, são lutas em que se jogo algo mais do que simplesmente palavras, algo mais que somente palavras.

1. Começarei com a palavra "experiência". Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, "o que nos passa". Em português se diria que a experiência é "o que nos acontece"; em francês a experiência seria "ce que nos arrive"; em italiano "quello che nos succede" ou "quello che nos accade"; em inglês seria "that what is happening to us"; em alemão seria "was mir passiert".

A experiência é o que nos passa [1], o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça . Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.

Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma anti-experiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de "sabedoria", mas no sentido de "estar informado") o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade. Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação sobre alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu.

Além disso, seguramente todos já ouvimos que vivemos numa "sociedade de informação". E já nos demos conta de que esta estranha expressão funciona às vezes como sinônima de "sociedade do conhecimento" ou até mesmo de "sociedade da aprendizagem". Não deixa de ser curiosa a troca, o intercambialidade, entre os termos "informação", "conhecimento" e "aprendizagem". Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação. E não deixa de ser interessante também que as velhas metáforas organicistas do social, que tantos jogos permitiram aos totalitarismos do século passado, estejam sendo substituídas por metáforas cognitivistas, seguramente também totalitárias, ainda que revestidas agora de um look liberal e democrático. Independentemente de que seja urgente problematizar esse discurso que se está instalando sem crítica, a cada dia mais profundamente, e que pensa a sociedade como um mecanismo de processamento de informação, o que eu quero apontar aqui é que uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade onde a experiência é impossível.

Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião como a informação se converteu em um imperativo. Nós, em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem que ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça.

Benjamin dizia que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência. O periodismo destrói a experiência, sobre isso não há dúvida, e o periodismo não é outra coisa que a aliança perversa entre informação e opinião. O periodismo é a fabricação da informação e a fabricação da opinião. E quando a informação e a opinião se sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o sujeito coletivo, esse que teria que fazer a história segundo os velhos marxistas, não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública. Quer dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência. E o fato de o periodismo destruir a experiência é algo mais profundo e mais geral do que aquilo que derivaria do efeito dos meios de comunicação de massas sobre a conformação de nossas consciências.

O par informação/opinião é muito geral e permeia também, por exemplo, nossa idéia de aprendizagem, inclusive do que os pedagogos e psicopedagogos chamam de "aprendizagem significativa". Desde pequenos até a universidade, ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais, estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, há que opinar, há que dar uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre o que quer que seja. A opinião seria como a dimensão "significativa" da assim chamada "aprendizagem significativa". A informação seria o objetivo, a opinião seria o subjetivo, ela seria nossa reação subjetiva ao objetivo. Além disso, como reação subjetiva, é uma reação que se tornou para nós automática, quase reflexa: informados sobre qualquer coisa, nós opinamos. Este "opinar" se reduz, na maioria das ocasiões, em estar a favor ou contra. Com isso, nos convertemos em sujeitos competentes para responder como Deus manda às perguntas dos professores que, cada vez mais, se parecem a comprovações de informações e a pesquisas de opinião. Diga-me o que você sabe, diga-me com que informação conta e exponha, em continuação, a sua opinião: esse o dispositivo periodístico do saber e da aprendizagem, o dispositivo que torna impossível a experiência.

Em terceiro lugar, a experiência é cada vez mais rara por falta de tempo. Tudo o que se passa, passa demasiadamente de pressa, cada vez mais de pressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de shock, do choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio. O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso a velocidades e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, é também inimiga mortal da experiência.

Nessa lógica de destruição generalizada da experiência, estou cada vez mais convencido de que os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça. Não somente, como já disse, pelo funcionamento perverso e generalizado do par informação-opinião, mas também pela velocidade. Cada vez estamos mais tempo na escola (e a Universidade e os cursos de formação do professorado são parte da escola) mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre que aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, que tem que seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás, por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo. E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos. Com isso, também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece.

Em quarto lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho. Este ponto me parece importante porque às vezes se confunde experiência com trabalho. Existe um clichê segundo o qual nos livros e nos centros de ensino se aprende a teoria, o saber que vem dos livros e das palavras, e no trabalho se adquire a experiência, o saber que vem do fazer ou da prática, como se diz atualmente. Quando se redige o currículo, distingue-se formação acadêmica e experiência de trabalho. Tenho ouvido falar de uma certa tendência aparentemente progressista no campo educacional que, depois de criticar o modo como nossa sociedade privilegia as aprendizagens acadêmicas, pretende implantar e homologar formas de contagem de créditos para a experiência e para o saber de experiência adquirido no trabalho. Por isso estou muito interessado em distinguir entre experiência e trabalho e, além disso, em criticar qualquer contagem de créditos para a experiência, qualquer conversão da experiência em créditos, em mercadorias, em valor de troca. Minha tese não é somente porque a experiência não tem nada a ver com o trabalho, mas, ainda mais fortemente, que o trabalho, essa modalidade de relação com as pessoas, com as palavras e com as coisas que chamamos trabalho, é também inimiga mortal da experiência.

O sujeito modernos, além de ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em movimento, é um ser que trabalho, quer dizer, que pretende conformar o mundo, tanto o mundo "natural" quanto o mundo "social" e "humano", tanto a "natureza externa" quanto "a natureza interna", segundo seu saber, seu poder e sua vontade. O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão. O sujeito moderno é animado por uma portentosa mescla de otimismo, de progressismo e de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um obstáculo a sua onipotência. O sujeito moderno se relaciona com o acontecimento do ponto de vista da ação. Tudo é pretexto para sua atividade. Sempre está a se perguntar sobre o que pode fazer. Sempre está desejando fazer algo, produzir algo, modificar algo, regular algo. Independentemente de este desejo estar motivado por uma boa vontade ou uma má vontade, o sujeito moderno está atravessado por um afã de mudar as coisas. E nisso coincidem os engenheiros, os políticos, os industrialistas, os médicos, os arquitetos, os sindicalistas, os jornalistas, os cientistas, os pedagogos e todos aqueles que põem no fazer coisas a sua existência. Nós não só somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e super-estimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiper-ativos. E por isso, porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos sempre em atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E, por não podermos parar, nada nos acontece.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

2. Até aqui, a experiência e a destruição da experiência. Vamos agora ao sujeito da experiência. Esse sujeito que não é o sujeito da informação, da opinião, do trabalho, que não é o sujeito do saber, do julgar, do fazer, do poder, do querer. Se escutamos em espanhol, nessa língua em que a experiência é o que nos passa, o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. Se escutamos em francês, onde a experiência é "ce que nous arrive", o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar a que chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e que, ao receber, lhe dá lugar. E em português, em italiano e em inglês, onde a experiência soa como "aquilo que nos acontece, nos sucede", ou "happen to us", o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos.

Em qualquer caso, seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial.

O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a o-posição (nossa maneira de opormos), nem a im-posição (nossa maneira de impormos), nem a pro-posição (nossa maneira de propormos), mas a ex-posição, nossa maneira de ex-pormos, como tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se ex-põe. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.

3. Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência. A palavra experiência vem do latim experiri, provar [experimentar]. A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia, e secundariamente a idéia de prova. Em grego há numerosos derivados desta raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através; perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele a prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião. A palavra experiência tem o ex de exterior, de estrangeiro [2], de exílio, de estranho [3] e também o ex de existência. A experiência á a passagem da existência, a passage, de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente ex-iste de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Em alemão experiência é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva Gefahr, perigo e gefährden, pôr em perigo. Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.

4. Martin Heidegger uma definição de experiência em que soam muito bem essa exposição, essa receptividade, essa abertura, assim como essas duas dimensões de travessia e perigo que acabamos de destacar: "...fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em 'fazer' uma experiência isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, 'fazer' significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, a medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo".

O sujeito da experiência, se repassarmos pelos verbos que Heidegger usa neste parágrafo, é um sujeito alcançado, tombado, derrubado. Não um sujeito que permanece sempre em pé, ereto, erguido e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer; não um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes, mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera. Por outro lado, o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente, receptivo, aceitante, interpelado, submetido. Seu contrário, o sujeito incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido, inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade.

Nas duas últimas linhas do parágrafo, ".... Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo" pode ler-se outro componente fundamental da experiência, sua capacidade de formação ou de transformação. É experiência aquilo que 'nos passa', ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao passar-nos nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação.

5. Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. E a palavra paixão pode referir-se a várias coisas.

Primeiro, a um sofrimento ou um padecimento. No padecer não se é ativo, porém tampouco se é simplesmente passivo. O sujeito passional não é agente, mas paciente, mas há na paixão um assumir os padecimentos, como um viver, ou experimentar, ou suportar, ou aceitar, ou assumir o padecer que não tem nada que ver com a mera passividade. Como se o sujeito passional fizesse algo ao assumir sua paixão. Às vezes, inclusive, algo público, ou político, ou social, como um testemunho público de algo, ou uma prova pública de algo, ou um martírio público em nome de algo, ainda que esse "público" se dê na mais estrita solidão, no mais completo anonimato.

"Paixão" pode referir-se também a uma certa heteronomia, ou a uma certa responsabilidade em relação com o outro que, no entanto, não é incompatível com a liberdade ou a autonomia. Ainda que se trate, naturalmente, de outra liberdade e de outra autonomia diferente daquela do sujeito que se determina por si mesmo. A paixão funda sobretudo uma liberdade dependente, determinada, vinculada, obrigado, inclusa, fundada não nela mesma mas numa aceitação primeira de algo que está fora de mim, de algo que não sou eu e que por isso, justamente, é capaz de me apaixonar.

E "paixão" pode referir-se, por fim, a uma experiência do amor, o amor-paixão ocidental, cortesão, cavalheiresco, cristão, pensado como posse e feito de um desejo que permanece desejo e que quer permanecer desejo, pura tensão insatisfeita, pura orientação para um objeto sempre inatingível. Na paixão, o sujeito apaixonado não possui o objeto amado, mas é possuído por ele. Por isso o sujeito apaixonado não está em si próprio, na posse de si mesmo, no autodomínio, mas está fora de si, dominado pelo outro, cativado pelo alheio, alienado, alucinado.

Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão, no sentido de que o que quer o sujeito é, precisamente, permanecer cativo, viver seu cativeiro, sua dependência daquele por quem está apaixonado. Ocorre também uma tensão entre prazer e dor, entre felicidade e sofrimento, no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade ou ao menos o cumprimento de seu destino no padecimento que sua paixão lhe proporciona. O que o sujeito ama é precisamente sua própria paixão. Mais ainda: o sujeito apaixonado não é outra coisa e não quer ser outra coisa que não a paixão. Daí, talvez, a tensão que a paixão extrema suporta entre vida e morte. A paixão tem uma relação intrínseca com a morte, ela se desenvolve no horizonte da morte, mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida, como a única coisa que vale a pena viver, e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento.

6. Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência. Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo, da abertura e da ex-posição, da receptividade e da transformação, e da paixão. Vamos agora ao saber da experiência. Definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensá-lo como incapaz de conhecimento, de compromisso ou ação. A experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética. O sujeito passional tem também sua própria força, e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de praxis. O que ocorre é que se trata de um saber distinto do saber científico e do saber da informação, e de uma praxis distinta daquela da técnica e do trabalho.

O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de vista da experiência, nem "conhecimento" nem "vida" significam o que significam habitualmente.

Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente infinito, que somente pode crescer; algo universal e objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está aí, fora de nós, como algo de que podemos nos apropriar e que podemos utilizar; e algo que tem que ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático, num sentido estritamente instrumental. O conhecimento é basicamente mercadoria e, estritamente, dinheiro, tão neutro e intercambiável, tão sujeito à rentabilidade e à circulação acelerada como o dinheiro. Recordem-se as teorias do capital humano ou essas retóricas contemporâneas sobre a sociedade do conhecimento, a sociedade da aprendizagem, ou a sociedade da informação.

Por outro lado, a "vida" se reduz a sua dimensão biológica, à satisfação das necessidades (geralmente induzidas, sempre incrementadas pela lógica do consumo), à sobrevivência dos indivíduos e da sociedade. Pense-se no que significa para nós "qualidade de vida" ou "nível de vida", nada mais que a posse de uma série de cacarecos para uso e desfrute.

Nestas condições, é claro que a mediação entre o conhecimento e a vida não é outra coisa que a apropriação utilitária, a utilidade disto que se nos apresenta como "conhecimento" para as necessidades disso que se nos dá como "vida" e que são completamente indistintas das necessidades do Capital e do Estado.

Para entender o que seja a experiência, é necessário remontar aos tempos anteriores à ciência moderna (com sua específica definição do conhecimento como conhecimento objetivo) e à sociedade capitalista (onde se constituiu a definição moderna de vida como vida burguesa). Durante séculos o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos, como uma aprendizagem no e pelo padecer, no e por aquilo que nos acontece. Esse é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao largo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece. E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem, ponto por ponto, ao que entendemos como conhecimento.

Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular. Ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria existência, de sua própria finitude. Por isso o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira irrepetível. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria.

A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha, então, sua qualidade existencial, isto é, sua relação com a existência, com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto. A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida, Ter uma vida própria, pessoal, como dizia Rainer Maria Rilke, em Los Cuadernos de Malthe, algo cada vez mais raro, quase tão raro quanto uma morte própria. Se chamamos existência a esta vida própria, contingente e finita, a essa vida que não está determinada por nenhuma essência nem por nenhum destino, a essa vida que não tem nenhuma razão nem nenhum fundamento fora dela mesma, a essa vida cujo sentido se vai construindo e destruindo no viver mesmo, podemos pensar que tudo o que faz impossível a experiência faz também impossível a existência.

7. A ciência moderna, a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes, desconfia da experiência. E trata de convertê-la em um elemento do método, isto é, do caminho seguro da ciência. A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade, mas o método da ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo. Aparece assim a idéia de uma ciência experimental. Mas aí a experiência se converteu em experimento, isto é, em uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência. A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominá-las. A partir daí o conhecimento já não é um páthei máthos, uma aprendizagem na prova e pela prova, com toda a incerteza que isso implica, mas um mathema, uma acumulação progressiva de verdades objetivas que, no entanto, permanecerão externas ao homem. Um vez vencido e abandonado o saber da experiência e uma vez o conhecimento da existência humana, temos uma situação paradoxal. Uma enorme inflação de conhecimentos objetivos, uma enorme abundância de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas formas de conhecimento que atuavam na vida humana nela inserindo-se e transformando-a. A vida humana se fez pobre e necessitada, e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava, iluminava e guiava a existência dos homens, mas algo que flutua no ar, estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnar-se.

A segunda nota sobre o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento ou, se se quiser, limpar a palavra experiência de suas contaminações empíricas e experimentais, de suas conotações metodológicas e metodologizantes. Se o experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do experimento produz acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz diferença, heterogeneidade e pluralidade. Por isso no compartir a experiência, trata-se mais de uma heterologia do que de uma homologia, ou melhor, trata-se mais de uma dialogia que funciona heterologicamente do que uma dialogia que funciona homologicamente. Se o experimento é repetível , a experiência é irrepetível, sempre há algo como a primeira vez. Se o experimento é preditível e previsível, a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida. Além disso, posto quenão se pode antecipar o resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem pré-ver nem pré-dizer.

(tradução: João Wanderley Geraldi)

Notas

[*] Palestra proferida no 13º COLE-Congresso de Leitura do Brasil, realizado na Unicamp, Campinas/SP, no período de 17 a 20 de julho de 2001.

[1.] Em espanhol, o autor faz um jogo de palavras impossível no português: "Se diria que todo lo que pasa está organizado para que nada nos pase" exceto se optássemos por uma tradução como "Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada se nos passe". (Nota do tradutor)

[2.] Em espanhol, escreve-se "extranjero". (Nota do tradutor)

[3.] Em espanhol, extraño. (Nota do tradutor)

A mente apaga registros duplicados | Por Airton Luiz Mendonça

O cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos. Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem nenhuma mobília, sem portas ou janelas, sem relógio você começará a perder a noção do tempo.

Por alguns dias, sua mente detectará a passagem do tempo sentindo as reações internas do seu corpo, incluindo os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.
Isso acontece porque nossa noção de passagem do tempo deriva do movimento dos objetos, pessoas, sinais naturais e da repetição de eventos cíclicos, como o nascer e o pôr do sol.
Compreendido este ponto, há outra coisa que você tem que considerar:

Nosso cérebro é extremamente otimizado.

Ele evita fazer duas vezes o mesmo trabalho.

Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia.

Qualquer um de nós ficaria louco se o cérebro tivesse que processar conscientemente tal quantidade.

Por isso, a maior parte destes pensamentos é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo.

É quando você se sente mais vivo.

Conforme a mesma experiência vai se repetindo, ele vai simplesmente colocando suas reações no modo automático e 'apagando' as experiências duplicadas.

Se você entendeu estes dois pontos, já vai compreender porque parece que o tempo acelera, quando ficamos mais velhos e porque os Natais chegam cada vez mais rapidamente.

Quando começamos a dirigir automóveis, tudo parece muito complicado, nossa atenção parece ser requisitada ao máximo.

Então, um dia dirigimos trocando de marcha, olhando os semáforos, lendo os sinais ou até falando ao celular ao mesmo tempo.

Como acontece?

Simples: o cérebro já sabe o que está escrito nas placas (você não lê com os olhos, mas com a imagem anterior, na mente);

O cérebro já sabe qual marcha trocar (ele simplesmente pega suas experiências passadas e usa , no lugar de repetir realmente a experiência).

Ou seja, você não vivenciou aquela experiência, pelo menos para a mente. Aqueles críticos segundos de troca de marcha, leitura de placa são apagados de sua noção de passagem do tempo.
Quando você começa a repetir algo exatamente igual, a mente apaga a experiência repetida.
Conforme envelhecemos as coisas começam a se repetir - as mesmas ruas, pessoas, problemas, desafios, programas de televisão, reclamações, enfim as experiências novas (aquelas que fazem a mente parar e pensar de verdade, fazendo com que seu dia pareça ter sido longo e cheio de novidades), vão diminuindo.

Até que tanta coisa se repete que fica difícil dizer o que tivemos de novidade na semana, no ano ou, para algumas pessoas, na década.
Em outras palavras, o que faz o tempo parecer que acelera é a rotina.

A rotina é essencial para a vida e otimiza muita coisa, mas a maioria das pessoas ama tanto a rotina que, ao longo da vida, seu diário acaba sendo um livro de um só capítulo, repetido todos os anos.

Felizmente há um antídoto para a aceleração do tempo: M & M (Mude e Marque).
Mude, fazendo algo diferente e marque, fazendo um ritual, uma festa ou registros com fotos.
Mude de paisagem, tire férias com a família (sugiro que você tire férias sempre e, preferencialmente, para um lugar quente, um ano, e frio no seguinte) e marque com fotos, cartões postais e cartas.

Tenha filhos (eles destroem a rotina) e sempre faça festas de aniversário para eles, e para você (marcando o evento e diferenciando o dia).

Use e abuse dos rituais para tornar momentos especiais diferentes de momentos usuais.

Faça festas de noivado, casamento, 15 anos, bodas disso ou daquilo, bota-foras, participe do aniversário de formatura de sua turma, visite parentes distantes, entre na universidade com 60 anos, troque a cor do cabelo, deixe a barba, tire a barba, compre enfeites diferentes no Natal, vá a shows, cozinhe uma receita nova, tirada de um livro novo.

Escolha roupas diferentes, não pinte a casa da mesma cor, faça diferente.

Beije diferente sua paixão e viva com ela momentos diferentes.

Vá a mercados diferentes, leia livros diferentes, busque experiências diferentes.

Seja diferente.

Se você tiver dinheiro, especialmente se já estiver aposentado, vá com seu marido, esposa ou amigos para outras cidades ou países, veja outras culturas, visite museus estranhos, deguste pratos esquisitos em outras palavras V-I-V-A. !

Porque se você viver intensamente as diferenças, o tempo vai parecer mais longo.
E se tiver a sorte de estar casado(a) com alguém disposto(a) a viver e buscar coisas diferentes, seu livro será muito mais longo, muito mais interessante e muito mais v-i-v-o do que a maioria dos livros da vida que existem por aí.

Cerque-se de amigos.

Amigos com gostos diferentes, vindos de lugares diferentes, com religiões diferentes e que gostam de comidas diferentes.

Enfim, acho que você já entendeu o recado, não é?

Boa sorte em suas experiências para expandir seu tempo, com qualidade, emoção, rituais e vida.
E S C R EVA em tAmaNhos diFeRenTes e em CorES di f E rEn tEs !
CRIE, RECORTE, PINTE, RASGUE, MOLHE, DOBRE, PICOTE, INVENTE, REINVENTE...
V I V A !!!!!!!!

Fonte: Airton Luiz Mendonça

Olhar, visão, memória do olhar e mais coisas…

“Queremos definir olhar. Primeiro diferenciando-o da visão. A visão é o ato ou o efeito de ver, função sensorial operada pelos olhos sob os efeitos da luz. O olhar é dirigir os olhos para alguém, um objeto, objetos diversos ou para si mesmo, sabendo distinguir cada objeto e diferencia-los de si mesmo.
Diferente é a memória do olhar. A memória do olhar para nós é uma das funções do olhar. Nossa memória não reproduz com exatidão, mas reconhece com nitidez um objeto olhado, uma sensação vivida. Nossa memória nem pode reproduzir as imagens com exatidão porque ela precisa se apropriar dessas imagens e sons para construir diversas funções psíquicas como, por exemplo, os mecanismos de defesa.
E isso só se torna possível porque somos seres carregados energeticamente. Através dos vários movimentos energéticos conseguimos ligar e desligar, apreender, reter, representar, dentre outros movimentos dinâmicos.
Nossa hipótese é que os olhos e a pele são uma única coisa. Um precisa do outro para funcionar, captar, processar, significar. É impossível vivermos sem pele. E se vivemos sem o olho órgão, temos a pele que faz a função da percepção. E cremos que ela só é possível porque envolvendo nossa pele, temos um corpo energético que faz parte desse invólucro. Invólucro que faz parte de uma grande cadeia energética.
Esse corpo que acima de tudo é energético pode se expandir, encolher, transformar e transmutar. Sua velocidade é tão grande que ainda não inventamos nenhuma maquina capaz de medi-la.” (Frinéa Brandão)

O artigo como todo é interessante, então deixo o link aqui para quem queira ler na integra. 

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Processo 010

17 de junho de 2011, hoje fui para a exposiçaõ do Bandeira de Mello “EU EXISTO ASSIM” no Espaço Cultural da Caixa em Curitiba. Assisti uma entrevista que fica passando na exposição e foi ótimo, pois me deu mais clareza sobre o meu processo de criação do solo. Estava aflito, pois sou tão mental e que isso parecia um defeito, ficava questionando sempre no laboratório: Yiuki, você fica planejando tudo! Assim, eu me boicotava e ao mesmo tempo caia num buraco negro. Acho que posso me permitir a planejar no início, depois insistir na pesquisa corporal e ver se surge algo interessante no diálogo entre os dois. Além de tudo,  existe o processo inverso também, movimentos que estão surgindo que acho interessante, mas que ainda não sei onde encaixar dentro da temática e inquietação da minha obra. Bom, de qualquer forma as palavras abaixo do Bandeira de Mello me tranqüilozou: saber que posso aceitar esse lugar mental no princípio de pesquisa que é algo mais natural em mim.

 

A obra faz o seu chamado no processo de criação

“Quando você começa, você tem um tema na cabeça. Tem os materiais na cabeça, o suporte na cabeça, a técnica que vai usar. Tá tudo na cabeça, organizado. Tá pré-organizado isso. Mas no momento em diante que você começa o trabalho, você perde o comando, é o trabalho que começa a comandar.”… “É o próprio trabalho que vai fazendo um chamado daquilo que tem que ser feito. E acaba sendo um diálogo entre o que você queria fazer e o trabalho quer que você faça. Agora, o mais importante nisso tudo, é que o que vai transformar aquilo em obra de arte é precisamente o que você não programou, é aquilo que saiu e ficou impressão no trabalho, independente da sua vontade. A temática do meu trabalho é sempre ligada a questão da sobrevivência do indivíduo enquanto indivíduo e enquanto membro da espécie. Quer dizer, essa questão de que a vida é uma luta permanente para não morrer, certo? Então, mesmo quando você entra nas questões da comida, do alimento, do amor, etc... É sempre a questão da sobrevivência da espécie. Do indivíduo como indivíduo e da espécie como um todo. Mas não contada de uma forma anedótica, mas contada de uma forma plástica. “

Bandeira de Mello, anotação do vídeo da exposição “EU EXISTO ASSIM” no Espaço Cultural da Caixa em Curitiba no dia 17 de Junho de 2011 feita por mim.

ARTE CONTEMPORÂNEA NA PINTURA: “…idéia de permanência não tem. O artista permanece, mas o ofício de pintor acabou.” por Bandeira de Mello

“Uma coisa que a gente nota é o descaso pela permanência do trabalho. Tem uma denúncia nesse sentido num dos livros do André Lotte. "Se perguntarmos a um restaurador quais são as obras que precisam de restauração, mais de restauração, certamente são as obras modernas. È uma coisa que eu sempre falo com meus alunos. É preciso que você faça alguma coisa que seja boa e que ela tenha uma certa permanência. Na própria obra de Van Gogh já tem trabalhos que são difíceis de se manter aparência deles porque ele já não se preocupava tanto com isso. Eu acho que quanto mais você sabe, mais livre você é. Mesmo porque você entra numa fase em que você sabe o que fazer e o que não fazer. O que não fazer sabendo fazer aquilo. Você deixa de fazer por uma necessidade expressiva. Eu ainda vou mais longe: Acho que se você não sabe desenhar você não pensa na forma. Nós tínhamos 900 horas aula de modelo vivo. O curso. E essas 900 horas não eram garantia de que você ia sair um bom desenhista. Eles foram cortando, cortando, cortando, cortando... E hoje são 90 horas obrigatórias. Quer dizer 10%. As pessoas que sabem desenhar, normalmente elas desenham apesar do ensino oficial, vão procurar fora, vão estudar fora, vão procurar um mestre fora para poder aprender, porque lá é meio difícil, meio complicado de aprender. Você vê obras hoje feitas com o intuito de desaparecer mesmo. O sujeito faz uma exposição com uma escultura de gelo e ela derrete durante a exposição. Faz uma cera para derreter se fizer calor, etc. Faz um livro de carne, para apodrecer, etc. Quer dizer, essa idéia de permanência não tem. O artista permanece, mas o ofício de pintor acabou. Eles pintam com qualquer coisa, em cima de qualquer coisa, com qualquer tinta, de qualquer jeito. Mistura com qualquer coisa, umas com as outras, sem saber o resultado final daquilo. Então, ele diz o seguinte: - Isso se deve à morte do ofício do pintor. Permanece o artista, mas não tem mais o técnico, o pintor.”

Bandeira de Mello, anotação do vídeo da exposição “EU EXISTO ASSIM” no Espaço Cultural da Caixa em Curitiba no dia 17 de Junho de 2011 feita por mim.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Arnaldo Baptista - I Fell In Love One Day

Música linda, hoje me inspirou para o laboratório corporal na Casa Hoffmann. Foi uma Indicação do brother Rodrigo Rocha.

Processo 009

Hoje fui no laboratório corporal e depois tive uma orientação com o Ailton Galvão. Depois do bate papo decidi que já vou providenciar a camisa do figurino. Estava com medo que o figurino limitasse o processo corporal, mas tudo é o jeito que organiza e trabalha. A Patrícia Muller indicou uma costureira. Vou entrar em contato com ela.

Dica da Paty:

“Costureira Marta : 99034152 (no Capão da Imbuia). Puxa, vi no blog e tenho a impressão de que a gola tracional afastaria melhor a impressão de camisa de força, na verdade. Faça em linho natural (não sintético), vai dar trabalho pra passar, vai custar um pouco mais caro, mas tem um aspecto fibra natural que é lindo e único.”

Hoje o ensaio foi ótimo, recordei do trabalho de gestos com dedos que improvisei na construção do espetáculo Lugares de Mim da desCompanhia de dança. Naquele espetáculo não foi usado essa pesquisa de movimento, mas no meu solo acho que vai servir bem ; )

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Cortar cabelo

Corta-se curto o cabelo ou raspa-se a cabeça em vários rituais de passagens:

  • Amor não correspondido: Muitas japonesas cortam curto o cabelo em sinal de recomeço do coração.
  • Budismo: Os monges e monjas budistas raspam a cabeça (tonsura) e se vestem com mantos, simbolizando sua renúncia às vaidades e o cultivo da simplicidade.
  • Se guarda pedaços de unhas e cabelos dos entes queridos falecidos: Costume que se desaparece, mas muitos japoneses faziam isso.
  • Exército brasileiro: possui um corte padrão curto (mesmo que seja pela praticidade e sobrevivência, não deixa de ser um marco).
  • Vestibular: Trote do vestibular onde raspa a cabeça dos rapazes aprovados.

domingo, 12 de junho de 2011

Processo 008

12 de Junho, imaginei um Hakai cênico hoje:

Som: trovões e chuva caindo
Projeção: Águas do chuveiro caindo.
Palco: Um corpo dançando.

Eu dançando, a projeção em andamento: da agua do chuveiro… para a janela do banheiro… e para o céu azul.

P.S. Ontem fui no Teatro José Maria Santos e assisti o espetáculo VIDA da Cia. Brasileira de Teatro. Ano passado já tinha assistido esse espetáculo e achei ele magnífico. Como chegar num resultado que toque as pessoas desse jeito?! Sai entusiasmado, mas com frío na barriga e com a vontade de pesquisar muito o meu solo. Uma certeza de que precisamos ter responsabilidade e devoção na hora da criação.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Pina Bausch - orphée eurydice garnier violence furies dança

Nas obras de Bausch, dança e teatro são trazidas ao palco como linguagem verbal e corporal, mas não como uma totalidade de corpo-mente ou forma-conteúdo.17 Ao contrário, a natureza lingüística de ambos dança e teatro é explorada como intrinsecamente fragmentada. Através da fragmentação e da repetição, seus trabalhos expõem e exploram a lacuna entre a dança e o teatro, em nível estético, psicológico, e social: movimentos não completam palavras em busca de uma comunicação mais completa; o corpo não completa a mente em busca de um ser total ou de uma presença mais completa no palco; mulher e homem não formam uma unidade liberando o indivíduo de sua solidão. Repetição quebra a imagem popular de dançarinos como seres espontâneos, e revela suas insatisfações e desejos em uma cadeia de movimentos e palavras repetitivas.
Gestos são movimentos corporais realizados na vida diária ou no palco. No cotidiano, gestos são parte de uma linguagem do dia-a-dia associada à determinadas atividades e funções. No palco, gestos ganham uma função estética; eles tornam-se estilizados e tecnicamente estruturados, dentro de vocabulários específicos, como balé ou dança moderna norte-americana. Bausch utiliza ambos tipos de gestos — cotidiano e técnico. Em muitos casos, porém, gestos cotidianos são trazidos ao palco e, através da repetição, tornam-se abstratos, não necessariamente conectados com suas funções diárias.

fonte: http://www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/4/artigo4.htm

Processo 007

Dia 10 de junho, primeiro dia de laboratório corporal. Foi difícil, cai num buraco negro… Algumas coisas que saiu:

  • As duas mãos juntas ficaram presas no vaso, achei interessante semanticamente.
  • Explorei os movimentos sentado nas tíbias e debruçado na frente com torções da coluna e arrastamento do corpo por meio das palmas das mãos.
  • Queria poder subir nas paredes. Como posso fazer sem asas ou ventosas? Rssss. Não serviu para nada, ficou no pensamento.

Depois de inúmeras tentativas frustrantes, pensei… Na próxima vez, moverei sem planejar muito… Se bem que tentei fazer isso hoje e não funcionou muito.
Algumas imagens que queria poder traduzir em corpo:

  • Olhos, ouvidos, nariz derretendo… Corpo desmoronando e apodrecendo.
  • Sacrifício

Sou uma linha

Sinto-me como uma margem, uma linha que divide espaços e universos que não se dialogam. Um ser que não possui largura com seus 1,64m e 53kg. Às vezes, acho que a minha companhia são os pontos – os que não possuem nenhuma grandeza. Talvez, por isso que me perco no mundo, me encantando no meio de tudo, sem ninguém conhecer a minha densidade.

Yiuki, respondendo a pergunta da orientadora Olga: Como me vejo?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Eleger é diferente de escolher

Eleger é diferente de escolher. Escolher anula as demais opções, eleger engloba todas outras opções. Alberto Camus disse: “Somos responsáveis por aquilo que fazemos, pelo que não fazemos e pelo que impedimos de fazer.” O eleger se relaciona com a consciência da nossa escolha. Por isso, quando elegemos o caminho, este conterá as virtudes das demais trilhas não vivenciadas por nós.   Yiuki Doi

P.S. Dançando sinto o respirar do filho que adiei em ter, a presença da família que mora longe, o aconchego da minha casa própria, e tantas outras coisas que abdiquei para estar no palco.

P.S. Postei neste blog, pois creio que relaciona com a clareza do nosso papel na terra.

MOSTRAS BOLSISTAS RESIDENTES

EDITAL DE PESQUISA EM DANÇA – Edital 265/10

Mostra

Mês

Dias

Horário

Orientadores

acompanhantes

1ª mostra

Julho/2011

Dias 08 e 15

Dia 8 às 15h / Dia 15 às 14h

Olga Nenevê
Ailton Galvão

2ª mostra

Agosto/2011

Dias 16 e 17

14:00h

Andréa Lerner
Rosane Chamecki
Ailton Galvão

3ª mostra

Agosto/2011

Dias 30 e 31

14:00h

Luiz Xarez
Andréa Lerner
Rosane Chamecki
Ailton Galvão

4ª mostra
(3 grupos por dia)

Outubro/2011

Dias 7 e 8
Dias 14 e 15

19:00h

Olga Nenevê
Ailton Galvão

5ª mostra
(3 grupos por dia)

Outubro/2011

Dias 21 e 22
Dias 28 e 29

19:00h

Olga Nenevê
Ailton Galvão

IMPORTANTE:

  • Os Bolsistas Residentes deverão entrar em acordo entre si sobre as datas mais adequadas para as mostras internas e públicas e comunicar à Coordenação de Dança e da Casa Hoffmann;
  • Os ensaios gerais e as instalações de luz, som, cenários, etc, deverão ser agendados conforme a disponibilidade do espaço e comunicados a Coordenação de Dança com antecedência para que seja agendado com o profissional que acompanhará a montagem de luz;
  • O programa da mostra será montado pela Programação Visual, seguindo o padrão visual estipulado pela Fundação;
  • Todos os dados da ficha técnica para serem colocados no programa: nome do projeto, autor, sinopse, trilha sonora, artistas participantes, pessoal técnico, assistentes, agradecimentos etc, deverão ser enviados para a Coordenação de Dança até o dia 01 de setembro;
  • Lembrar do pagamento do ECAD – orientações com a Daici