A presente obra visa, através de atos cênicos, propor reflexões a respeito das relações entre morte e vida, entendendo que a primeira é inerente à segunda, uma vez que a interdependência dos opostos é uma condição existencial dos entes em processo de sucessivas transformações. Isto é Vida.
Partindo desse ponto de partida, a dramaturgia cênica foi tecida relacionando o sagrado e o profano, por exemplo: rastejamento e vôo; razão e desrazão; rompimento e tradição; fecundação e esvanecimento; eternidade e efemeridade; nascimento e morte; casulo e sepulto; confetes e cinzas, etc. Além destes fenômenos contrastantes, dialéticos, entrelaçou-se cenicamente o entendimento de que a demasiada clareza da obra artística não oferece necessariamente o devido espaço para a ampliação do ato de imaginação do público. Sendo assim, o paradoxo causado pelas dualidades, além de condizer com a temática da obra, possui a função de eduzir a imaginação do espectador por meio de um estado de obnubilação.
A tentativa em estimular a imaginação do público aliada à temática da obra aproximou a pesquisa dramatúrgica ao Haikai.
O Haikai é uma poesia nipônica sucinta (três linhas e dezessete sílabas) que possui o objetivo de “capturar a essência do local numa poesia contemplativa e descritiva com grande valorização nos contrastes, na transformação e dinâmica, na cor, nas estações do ano, na união com a natureza, no que é momentâneo versus o que é eterno”(1). A afinidade com essa forma de poesia trouxe ao solo a investigação de movimento inspirada no aspecto psicológico e representativo dos cinco elementos da natureza: água, terra, árvore, fogo e ar.
Para concatenar a complexidade preposta, a escolha do material cênico foi demorada e crucial; afinal, era necessário encontrar um potencial imagético que abordasse todas essas peculiaridades. Após três meses de pesquisa, a solução encontrada foi mostrar a interação entre contrastes estéticos que a dança do intérprete criava, interagindo com o figurino e o cenário pesquisado:
- Figurino: camisa social branca de manga super comprida;
- Cenário: chão repleto de confetes de carnaval.
Assim, juntando com a investigação das imagens internas do bailarino, que conduz suas improvisações, definiu-se que o seu trabalho cênico seria o de promover certa atmosfera do teatro por meio desses dois elementos, os quais interatuados pelo movimento da dança poderiam evocar imagens de vida e morte ao público. Também, condizendo com a temática, as telas pintadas deveriam ser sucessivamente desfiguradas por uma dança que estimulasse as sensações ancestrais humanas por meio de gesto, rito e simbologia.
Por fim, de todo este processo ora exposto é um solo singelo, contemplativo, sem virtuosismo físico, mas que propõe um dueto com a imaginação do espectador através da abstração daquilo que é inteligível em cena; trata-se, portanto, de obra aberta de interpretação para espaços alternativos a fim de difundir esta modalidade de arte e promover a formação de um público voltado à dança contemporânea, a qual seja possível contemplar uma diversidade de espaços tais como salas de aula em escolas múltiplas, espaços abertos ou não em museus, espaços ociosos em prédios de administração pública, associações, igrejas, teatro intimista, etc.
(1) Retirado do texto “O zen e a arte do Haikai” hospedado no endereço eletrônico: http://www.insite.com.br/rodrigo/poet/haikai.html
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